segunda-feira, janeiro 31, 2005



Um dia histórico.

Daniel Oliveira, a misturadora

Daniel Oliveira diz coisas com um certo grau de comprometimento. Não é mau. A propósito do Iraque, escreve esta semana no Expresso, que a democracia é uma conquista do povo. É encantador. Como gosto de coisas bonitas tendo a concordar. Em abstracto normalmente concordo mais vezes do que aquelas que discordo. É muito escusado começar a afiar a faca logo ao primeiro vislumbre de diferença. Mas isto é só um príncipio de conversa. Daniel Oliveira tem lá a sua prédica. A democracia ao punho do povo. Eu também cerro o meu e salto de ganas. Mas passemos ao contexto concreto. Primeiro é muito inteligente puxar as palavras ao nosso ponto de vista. Falar em democracia em vez de, para já, contentar-se com liberdade ou mesmo liberdade de voto. As eleições correram muito bem. Existe liberdade de voto no Iraque. Ou existe comparação possível com os tempos da ditadura? Que conquista seria esperada num regime como o de Saddam? Por mais quantos anos continuaria a existir um território e um povo anulados por um regime a destilar ódio e a incentivar «vingança»? As possibiliades fechadas estão agora todas em aberto. Saddam está definitivamente fora de cena. O empurrão «ingerente» está a dar os seus frutos. Agora sim o tal povo da conquista está livre para tal. Agora a conquista está na força e vontade do povo. A coisa dar certo no Iraque depende, como nunca, dos Iraquianos e do seu sentido avisado. A esquerda gosta muito da multiculturalidade mas depois baralha-se e acha que a busca de valores é igual em todo o lado. Como se as condições conjunturais fossem questão de somenos importância. A conquista da democracia pelo povo foi viável no Ocidente onde havia espaço para uma certa consciência pessoal e colectiva. Mas que dizer do Iraque que à parte de todas as especificidades culturais distintas, estava condenado a uma opressão das mais desumanas que a história pode contar? Depois é necessário saber que existe uma diferença substancial entre uma autocracia e uma possível teocracia. A autocracia é criminosa e inaceitável desde o primeiro momento pelo modo como é imposta de forma continuada no tempo. A aceitação da teocracia é acima de tudo uma influência cultural, se não for ela própria consequência. E isto basta para modificar substancialmente. Abbas Kiarostami poder filmar em Teerão e ser livre para falar do papel da mulher deve ter algum significado... Agora compare-se o exemplo com o Iraque de Saddam. Não sei daqui a quanto tempo o Iraque irá ser uma democracia ou sequer se será. Sei que os iraquianos cada novo dia estão mais entregues a si próprios. E isso soa-me a liberdade.


Entretanto o Barnabé ainda não se pronunciou sobre as eleições no Iraque.

AGUARDA PIOR ALTURA.

Louçã, o pregador

Ainda julguei passar uns bons minutos a ler a entrevista de Miguel Esteves Cardoso a Francisco Louçã na Sábado. Enganei-me. O entrevistador cumpriu mas o entrevistado, menos criativo que o seu Bloco, acomodou-se no habitual. O sorriso de vice-reitor de Seminário não engana. O BE é para ser levado minimamente a sério. Paulo Portas, de que timidamente vou gostando a espaços largos, conseguiu que Louçã se revelasse, no debate da SIC-Notícias, dizendo febrilmente exageros tais que numa situação de repouso até o próprio fariam corar. Ou pelo menos «explicar com mais palavras». O mais curioso é que o sermão seria mais esperado de um democrata-cristão, como Paulo Portas se gosta de intitular, do que de um defensor de minorias prá frentex. A sorte de Louçã é que os votantes da esquerda criativa não são muito dados a grandes reflexões. Dêem-lhes um «tema fracturante» que eles entretêm-se a preparar gritos de ordem e animações de rua. E olha lá.

quinta-feira, janeiro 27, 2005



Qual a razão para abandonar uma pessoa mesmo continuando a amá-la? E quando sentimos uma nova paixão instalar-se, quais os critérios envolvidos entre resistir ou seguir em frente?


Natalie Portman em «Closer»

quarta-feira, janeiro 26, 2005

Vira-te para o outro lado

Falo com amigos viajados. Dou-me com gajos sem encargos com a vida comum, etapa a etapa, feliz para sempre, agora isto sem dúvida, daqui a uns anos aquilo porque se impõe, mais tarde ou mais cedo, a sensaboria repetida. Igual à rua toda. A probabilidade não muda muito. Converso com aqueles que fazem o trabalho de casa num avião da Quantas, egoístas e com dinheiro para gastar. São pessoas de uma sinceridades quase descompensada. Acertam mais que os costumes. Não sabem nada de arte, amor, ou diminuíndo drásticamente a fasquia, simples sossego. Mas ao menos não se movem só em aparência, têm raio de acção. Já se sabe. Fogem um pouco de si próprios. Mas encontram-se em todo lado. E não há análise que resista. Conheçem por contraste. Avaliam por oposição. Descobrem por comparação. Dizia-me um lógico que comparar é dos piores exercícios com que nos podemos ocupar. Que a diferença e tal e tal. Devia ter-lhe respondido em forma de sugestão e remetê-lo «pró caralho» mas escutei-o com atenção. Resulta que no meio do tête-à-tête algo ou alguém sai sempre em défice por insuficiência ou ausência de atributos. O problema começa quando é a parte errada que fica em apuros. O lógico aconselha fingir que de vez em quando não se vê. Com uma frequência residual não só oiço o que me dizem como também sigo a posologia recomendada.

Mais que dentro do mundo

terça-feira, janeiro 25, 2005

Só as bem vestidas

«Mrs Cheveley: Não sei se as mulheres são sempre premiadas por serem encandadoras. Penso que, pelo contrário, são normalmente punidas! Com certeza envelhecem hoje em dia mais mulheres devido à fidelidade dos seus admiradores do que por qualquer outro motivo!(...)
Sir Robert Chiltern: Que assombrosa filosofia essa! (...) Permita-me que lhe pergunte: no fundo, é optimista ou pessimista? Parecem ser essas as duas religiões em moda hoje em dia.
Mrs Cheveley: Oh, nem uma coisa nem outra. O optimismo começa por uns dentes arregenhados e o pessimismo acaba com uns óculos azuis. Demais a mais, são ambos meramente poses.
Sir Robert Chiltern: Prefere ser natural?
Mrs Cheveley: Às vezes. Mas é uma pose muito difícil de se manter.
Sir Robert Chiltern: Que diriam de uma teoria assim esses modernos romancistas psicológicos de que tanto se ouve falar agora?
Mrs Cheveley: Ah! A força das mulheres provém do facto de a psicologia não nos poder explicar. Os homens podem ser explicados, as mulheres... só admiradas.
Sir Robert Chiltern: Acha que a ciência não pode tratar do problema das mulheres?
Mrs Cheveley: A ciência nunca pode tratar o irracional. É por isso que, neste mundo, não tem futuro à sua frente.
Sir Robert Chiltern: E as mulheres representam o irracional.
Mrs Cheveley: As mulheres bem vestidas.»
in Um marido ideal de Oscar Wilde

Transições

Before Sunset. A fase anal-sádica. Cinco vezes Dois. Os pequenos dramas. São tortuosos os caminhos do amor. Sinuosos e cavados até ao osso. Aquilo deviam ser espíritos abatidos. Perto Demais (Closer, no título original). Corram. Corram muito. Corram depressa. E assistam descansados. Eis um grande filme. Está para as relações digamos, íntimas, como o Magnólia de Paul Thomas Anderson está para a vida. A omissão e a mentira induzem um estado latente de angústia e (in)felicidade auto-destrutiva. Pois a verdade simples, sem analgésicos, provoca planos trágico-cómicos e choros viscerais. Jogos de sentimento em estado bruto. Necessidades desesperadas. A promiscuidade também serve para construir. Mesmo que a edificação não seja muito sólida. Mas a falta de estrutura é um problema que deriva de muitas outras causas, e as mais das vezes, bem menos dignas de atenção que a proximidade demasiado próxima. Ao menos não será triste e isolada. Muito menos fechada em casa. Qual é o interior mais verdadeiro senão aquele que se dá todo, mas acabando a doer até à impossibilidade, altura em que desliza para uma busca de alívio egoísta sempre procurada no outro? Drama não. Comédia e tragédia. Os gregos é que sabiam. Nunca se deve desconsiderar civilizações berço de um Aristóteles, mais as festas dionisíacas que terminavam invariavelmente perto demais.

domingo, janeiro 23, 2005

Nunca mais me deixarei escrever «cumplicidade cósmica»

Bebo álcool. Ando à boleia. Sou conduzido por mulheres. E o orgulho da minha mãe.
A melhor maneira de te conhecer é emprestares-te com essa verdade que te representa. A forma mais deliciosa de estar junto a ti, a forma mais deliciosa de viver, a única possivel, é a sedução de cada movimento teu, sorriso, palavra, toque. A tua complexidade e a tua simplicidade. Saber onde colocar cada uma não é para qualquer um, mesmo que muito esforçado. A tua ingenuidade inata. Esse teu modo feliz. Mil vezes haverei de falar e mil vezes haverei de engolir. É uma diversão muito próspera. Fechar a cara tantas vezes como aquelas que a libertamos, rostos sujeitos ao registo inapagavel dos momentos. Dá-la, afinal, em oportunidades contadas. Poderia, adorando-te, adorar-te até no meio do vazio. É muito ajustado perceber contradições. Ajuda a ler sentimento. Senti-lo distinto. A dois, cheios de mundo só causado por dois, o silêncio é uma cumplicidade cósmica. Sorrir e começar a beleza. Em cada atitude ou mínimo gesto vivê-la em sucessivos inícios. O labirinto das palavras nascido da reconstituição de um passado de poucos dias desemboca numa felicidade inquestionável. A próxima vez. A vez depois da próxima. E se olhar para tudo ao mesmo tempo. Lembro. Não esqueço. Onde ficou a coisa platónica e quanto valeu? Porque sempre existiu um outro desejo, como movimento fácil, deixa-me fluir contigo para além do tempo.

quinta-feira, janeiro 20, 2005

Esta referência vem tão atrasada, tão atrasada, que o blogue entretanto terminou

Ele não gostava de escrever sobre coisas sérias. Mas quando escrevia acertava.

A renúncia como escolha

Vou permitir-me um abuso interpretativo provavelmente com tiros consecutivos no chão. Dancemos pois. Passo a enumerar certa gente que me diverte; embora quiçá indigna de atenção personalizada uma vez que não funciona sem ser em grupo. De humildade sem paixão. Que é a forma mais indecorosa de soberba. Um tanto oportunistas. Preconceituosos para com tudo o que se afaste da sua frágil bolha de ar. Delicados demais. De sorriso treinado. Habituaram-se a radicalizar em voz suave. Transformaram a vida numa pequena parcela e alimentam-se ao canto. Negam o mundo. Acreditam muito e odeiam a imensidão da possibilidade. Confinam-se ao esotérico. Embebedam-se com filosofia oriental. Escondem-se na minoria. Não querem pertencer.Vestirem-se como se o mercado do pronto-a-vestir não existisse deve dar uma superioridade moral desconhecida. E fazer coisas descalço. Para sentir melhor o chão. Fazem do prazer um conjunto de intróitos sem fim. Outros transformam o retorno ao útero num périplo semi-intestino tentando afirmar o seu sentido obrigatório de altar grosseiro. Entregam-se a uma técnica qualquer de relaxamento e esperam nada menos que uma vénia da parte do comum mortal. São obcecados com «raízes» e repetições totémicas. Respirar de boca aberta deve dar uma elevação espiritual celeste. Comportam-se de acordo com três ou quatro ditames e não perdem oportunidade de defesa da sua lei. Não comer bifes deve dar uma superioridade divina que me escapa. Afunilam a vida única de que são donos. Procuram sub-mundos. Depois acreditam numa transcendência algo conveniente. A conclusão é também ela natural. É no meio desta gente bonita que se pode encontrar a possibilidade da verdade.

terça-feira, janeiro 18, 2005

Os alemães e os franceses pagam-nos a mediocridade

"Portugal é um caso único no seio da União Europeia. Foi esta a ideia defendida por Santana Lopes junto do presidente françês , Jacques Chirac. O primeiro-ministro demissionário português argumentou que Portugal não atingiu os níveis de desenvolvimento da Espanha e Irlanda mas não deve, por isso, ser sacrificado. Por isto mesmo, diz Santana Lopes, o País tem de continuar a ser beneficiário dos fundos da UE." TSF

Mais do que as trapalhadas contínuas, esta leitura de Santana diz muito da «visão estratégica» que sugere para Portugal.
Pior atestado de menorização não há. Portugal é um país especial. Claro, como o próprio primeiro-ministro.

segunda-feira, janeiro 17, 2005

Cenas pobres da vida portuguesa

Uma pessoa nasce uns anos depois do 25 de de Abril. Sorte. Mas fica com a opção política dificultada. Azar.Tem que se desenvencilhar como pode. Maria Filomena Mónica veio-me parar às mãos em 1999 no seu Cenas da Vida Portuguesa. Depois passei a tomar atenção aos seus escritos. No suplemento literário do Público deixou as orelhas a ferver ao Boaventura Sousa Santos de uma forma hilariante, não sei se tortuosa mas cheia de atitude, de certeza valente e de modo público, sem medo do confronto. Para mim Boaventura não é relevante por insuficiência nem por suficiência. À pala dele tive uma boa nota num teste sobre o seu livro Um discurso sobre as Ciências, é o que também se estuda na faculdade, coisa a ultrapassar adiante. O meu caso com ele termina aqui. Boaventura não acusou o toque de Maria Filomena Mónica. Mas os purificadores do Ser Humano andam vigilantes e apressaram-se a fazer um abaixo-assinado de protesto contra o que não consideram ser «um diálogo crítico e saudável com a escrita e o pensamento de Sousa Santos». Assim dito. Pomposo. Distinto. Elevado. E clamam logo pela saúde. Que não é saudável. Fazem parte da patrulha ideológica João Teixeira Lopes, Francisco Louçã, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa, Gastão Cruz, Diana Andringa, Miguel Vale de Almeida, entre mais uns tantos nomes. Pensar liberal é uma necessidade vital no meio desta esquerdazinha peneirenta. São estes pensadores de horizonte concentrado os pais portugueses dos pseudo-intelectuais do pensamento light anti-Estados Unidos e saldos semelhantes. Bem lembra Ferreira Fernandes na Sábado: «Almada Negreiros não sofria de vontade de diálogo crítíco e saudável» no Manisfesto Anti-Dantas, e termina: «Era o que me faltava ter saudades do Portugal de há quase 100 anos». A razão do insuspeito Alexandre O’Neill continua desgraçadamente actual: «Neste país em diminutivo, respeitinho é que é preciso».

domingo, janeiro 16, 2005

Amigos, amigos, listas à parte

Começa por estes dias o circo eleitoral que se vai manter nos próximos tempos. O primeiro episódio, certamente de muitos, foi a feitura das listas de deputados para a Assembleia da República. A novela "Pedroso, para onde vais tu" foi nojenta. Mas o pior, muito pior veio da imagem dada pelo PPD/PSD de Santana. Mais uma vez Santana demonstrou a sua suprema incompêtencia e falta de moral e ética política. Uma lista de deputados deve reflectir o que o partido tem de melhor. Deve reflectir as várias tendências de opinião dentro do partido, pessoas com os mesmos valores, com um plano para Portugal e que podem contribuir para melhorar o nosso país. Uma lista de deputados não deve ser regida por amizades e lealdades pessoais, favores e contra-favores. Se Santana tinha dificuldade em fazer a lista por muitas figuras de qualidade do partido se recusarem até mesmo ser vistas com ele, então isso se calhar é um sinal que o PSD, peça fundamental no jogo da nossa democracia, não se revê nesse senhor e nas suas "ideias". Se assim é, demita-se, não afunde o partido consigo.
A sério, demita-se. De certeza que há mais municipios com praia que precisam de melhorar a sua animação balnear. Faça o que sabe fazer...

sábado, janeiro 15, 2005

sms que clarifica o dia seguinte

Estás arrependida ou queres mais?

Duas no Presente, Uma no Pretérito Perfeito

Que significa a verdade quando sinto a beleza do beijo? Que realidade mora na curva do joelho dela? Romper o ar com perguntas ocupa muitos anos. Para mim o interesse colocado no exercício esgota-se ao fim de cinco minutos. Mesmo concedendo que proporciona um elevado volume de matéria parece-me destinada a preencher algo que se pressupõe estar meio vazio. Pelo caminho que isto leva quando tiver a idade da Manuela Ferreira Leite (longe venha o dia) a minha obssessão será com o binómio presença/ausência. A pergunta é uma forma acertada de príncipio. Desbrava um pouco. Vislumbra a direcção. Se a arte não andar na amargura do objecto com a medida certa, querendo ingénua ou maldosamente tentá-lo completamente apreendido por qualquer palma de mão, a pretensão mais inútil de todas, o orgulho da pessoa inconsequente, a arte saberá usar a pergunta como combustivel para alimentar o espaço intervalar. Mas não se haverá de passar a vida toda no príncipio. Muito menos transformar a vida numa pausa interminável. Onde é que ficou a coisa platónica e quanto valeu?

sexta-feira, janeiro 14, 2005

Isto anda mau, está mau...

Uma coisa que parece que anda agora na boca de toda a gente é: "Isto está mau... está mau...", existem obviamente variações possíveis (anda mau, está mal, anda a correr mal, corre mal, tem estado mau... é interminável). Como tal proponho desde já aqui que se descubra rapidamente o que raio é o "isto". Alguém sabe? Podiam passar um anúncio na televisão, um daqueles que passava depois do telejornal, do género: "A Direcção Geral da Polícia Judiciária pede-nos para divulgar o seguinte apelo: foi visto ontem à tarde, pela última vez... Pede-se a quem tenha informações que contacte as autoridades". O único problema é que fotografia lá por... Talvez na vez de fotografia, possam por um mapa do país, porque a seguir ao "Isto está mau, está mau..." vêm sempre algumas considerações sobre a política ou a economia nacionais. Depois de descobrir o que é o "isto" que já anda à algum tempo "mal" (aliás, nem me lembro de alguma vez ouvir alguém a dizer: "Isto está bom, está bom..."), por favor exterminem-no. O que quer que seja que anda mal à tanto tempo merece ver um fim ao seu sofrimento (sim, sou a favor da eutanásia). Por favor put it out of his misery. Já é bem tempo.

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Seu porco fruste

Outra noite sonhei que fodia delicadamente um rabo de matéria consistente. O pormenor da saia cuidadosamente puxada a rodear a cintura para que o espaço imediatamente anterior ficasse disponível bem como o deslize dos dedos nas pernas envolvidas em suavidade foi conteúdo com que a função onírica se entregou com razoável energia. Na horizontal o desejo é um tanto aumentado. Curioso como o objecto de investigação soltava gemidos, depois gritinhos e finalmente berros para deleite da tarefa profissional levada a cabo. Mais curioso ainda é o claro contraste entre a atitude social circunspecta da rapariga afinal repleta de alma, que na vida de vigília identifico facilmente como sendo a do sonho, e a postura prazenteira atrás descrita. Vou tentando dissolver nas leis diurnas o pensamento incómodo de encontro com eventual bela feminilidade de temperamento excessivamente espartano, que num sono próximo ou distante irei enconcontrar, ela de costas, para um particular deleite a dois em movimentos de vai e vem. Uma castigadora esta mente dissoluta. A construir sobre figuras de porcelana Kama-Sutras agressivos. Se não podia ficar-se por concupiscência mais pessoal. Que recorresse a imagens vividas procurando identidades mais viáveis que não proprietárias histéricas de rabinho aprumado. Sabe-se lá. Por vezes o gozo anda a par com a saúde.

terça-feira, janeiro 11, 2005

Classificados

Esta beleza passou a escrever na revista do Expresso. Do texto inaugural há a destacar a fotografia que o acompanha. Finalmente todos os compradores do saco de fim-de-semana podem conhecer a cara real de quem todos os dias afiança que acorda ora mais lânguida ora mais descabelada, entre outras variações de humor reflectido. Já este prosador tornou-se um hábito na não menos imprescindível revista Sábado. Este outro senhor aproveitou o balanço do Barnabé e prolonga no caderno principal do Expresso a mesma novidade de mosca a zumbir contra o vidro. Já no lado oposto da mesma broadsheet temos o aplauso de sempre para um ilustre de campeonatos menos regionais que agora à quinzena escreve aqui. Pelo meu lado prossigo o envio dos meus pequenos textos para o jornal do costume. A moderação do feed-back tem-me deixado um pouco agastado e ando seriamente a pensar diversificar o público-alvo e começar a apostar neste. É mais fácil dar ideias que vender andares. É uma questão de expectativa do retorno.

sábado, janeiro 08, 2005



É uma inteligência que a cinematografia pode usar e abusar. Iniciar os filmes ao contrário. Começar a história pelo fim e contá-la até ao princípio. Começar o filme com o que na história terminou mal e acabar o filme com o que na história começou bem. O fim já não tem esperança. A única suspensão da felicidade ou do sonho reside no príncipio, quando tudo é uma descoberta, ou quando tudo é apenas simples, quase mágico, primitivo. Vem isto a propósito de 5x2 (Cinco vezes Dois), outro bom filme de François Ozon, aconselhável sobretudo, a todos quantos passaram a fase anal-sádica do Before Sunset. A analogia psicanalítica parece-me, instantaneamente, acertada. Mas a antecipação de diálogos e a sensação vaga de «dejá vu» na dita película rosa desmaiado situou-se bastante próximo do esquisito. Ou também é provável que existam clichés conhecidos só por intuição. Como se a intuição fosse, dada a desculpa, uma coisa divina. Voltando ao 5x2 encerra uma lógica um pouco céptica: a hipótese de beleza não passa dos primeiros momentos. Se a escolha é apelar à beleza como última cena, planta-se o casal de mão dada à beira-mar sob um pôr-do-sol invejável. Mas o fim não é esse. O fim é um burocrata monocórdico a citar os novos deveres do divórcio. O espectador é iludido - e bem - com um fim que afinal não passou de um promissor príncipio, como aliás, todos os príncipios devem ser. Promissores. Para mim, que escrevo muito de longe em longe posts confusos como o presente, ter saído mais deliciado da sala escura significava o filme acabar como afinal começou. As palavras ditas de porta entreaberta: Maríon, queres voltar a tentar?
Mas quem é que ainda acredita nas palavras. E no entanto podem conter tanta verdade como o pôr-do-sol universal e repetível. O meu fim pode provocar um outro início particular e talvez surpreendente: Maríon, queres voltar a tentar? Nem é preciso ela responder. Basta o luar entrar pela janela e iluminar o quarto. Se tiver força suficiente.

quinta-feira, janeiro 06, 2005

O obreiro e os artistas...

...resumido no Bloguitica.

Será desta que avança o envolvimento cívico do eleitor???

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Quem és tu, Santana?

Pedro Santana Lopes carregou para a política uma dose de humanidade. Não aquela sensaboria do coração grande, paternal, ou caritativa. A humanidade no seu estado contrastante do erro e do prazer. A dúvida entre o melhor de vários mundos. A coragem do fantasioso. Santana apaixona-se por si da mesma forma que dá de pronto a mão aos leais (que não encontram lugar ao lado de mais ninguém) e aos amigos (onde a política é só mais um palco onde o acompanham). De Santana socorrem-se os canalhas porque encontram nele um benévolo. Talvez Santana seja mais ingénuo do que aquilo que não parece. A linguagem de PSL está carregada de vida comum num espectáculo de assunto de estado misturado com pequenos tudos de falta injustificada. PSL refreia pouco os seus impulsos afectivos. Santana Lopes foi um primeiro-ministro bondoso quando o que seria necessário era que fosse bom. Os caminhos que percorre fundam-se em afinidades nem sempre correspondidas. Santana não é de forma nenhuma o estadista inteligente (como Durão) ou o provinciano calculista (como Guterres). Santana é o homem contemporâneo num estado demasiado livre. Santana Lopes faz falta na vida pública portuguesa mas talvez nunca devesse ter chegado a primeiro-ministro. Conduzir um país é um acto de despojamento. Santana é muito arrebatado e experimental.

Teatralizar versus Estar Em Cima De Um Palco

(...) por mais que concentrasse na Berma os meus olhos, os meus ouvidos, o meu espírito, para não deixar escapar uma migalha das razões que ela iria dar-me para a admirar, nem uma só conseguia agarrar. Nem sequer conseguia, como acontecia com as colegas, distinguir na sua dicção e no seu modo de representar entoações inteligentes, gestos belos. Escutava-a como se estivesse a ler a Fedra, ou como se a própria Fedra tivesse dito naquele momento as coisas que ouvia, sem me parecer que o talento da Berma lhe houvesse acrescentado alguma coisa. Gostava - para poder aprofundá-la, para nela tentar descobrir o que tinha de belo - de parar, de imobilizar longo tempo diante de mim cada entoação da artista, cada expressão da sua fisionomia (...) Mas como era breve aquela duração! (...) Quanto à declaração de Hipólito, tinha contado muito com esse trecho, onde, a julgar pelo significado engenhoso que os seus colegas me revelavam a todo o instante em partes menos belas, ela haveria de ter certamente entoações mais surpreendentes que aquelas que, em casa, a ler, eu tentaria imaginar; (...) aplainou numa melopeia uniforme toda a tirada, onde se confundiram indistintamente oposições, afinal tão marcadas que mesmo uma trágica apenas inteligente, e até alunos de liceu, não teriam menosprezado o respectivo efeito; aliás, debitou-a tão depressa que só quando chegou ao úlimo verso é que o meu espírito tomou consciência da propositada monotonia que ela impusera aos anteriores.

[Em Busca Do Tempo Perdido Vol.II: À Sombra das Raparigas em Flor, Marcel Proust]

terça-feira, janeiro 04, 2005

Conclusão:

Depois de 2004 não sei bem o que fazer com o novato ano presente. Eu que julgava ter uma série de situações pendentes a resolver por estes e futuros dias. Tarefa que me deixaria mais convicto que hesitante nos passos andados sob o Sol de Janeiro. Resolução de ano novo: vou principiar por repetir-me. Como se fosse igual.