quarta-feira, janeiro 05, 2005

Teatralizar versus Estar Em Cima De Um Palco

(...) por mais que concentrasse na Berma os meus olhos, os meus ouvidos, o meu espírito, para não deixar escapar uma migalha das razões que ela iria dar-me para a admirar, nem uma só conseguia agarrar. Nem sequer conseguia, como acontecia com as colegas, distinguir na sua dicção e no seu modo de representar entoações inteligentes, gestos belos. Escutava-a como se estivesse a ler a Fedra, ou como se a própria Fedra tivesse dito naquele momento as coisas que ouvia, sem me parecer que o talento da Berma lhe houvesse acrescentado alguma coisa. Gostava - para poder aprofundá-la, para nela tentar descobrir o que tinha de belo - de parar, de imobilizar longo tempo diante de mim cada entoação da artista, cada expressão da sua fisionomia (...) Mas como era breve aquela duração! (...) Quanto à declaração de Hipólito, tinha contado muito com esse trecho, onde, a julgar pelo significado engenhoso que os seus colegas me revelavam a todo o instante em partes menos belas, ela haveria de ter certamente entoações mais surpreendentes que aquelas que, em casa, a ler, eu tentaria imaginar; (...) aplainou numa melopeia uniforme toda a tirada, onde se confundiram indistintamente oposições, afinal tão marcadas que mesmo uma trágica apenas inteligente, e até alunos de liceu, não teriam menosprezado o respectivo efeito; aliás, debitou-a tão depressa que só quando chegou ao úlimo verso é que o meu espírito tomou consciência da propositada monotonia que ela impusera aos anteriores.

[Em Busca Do Tempo Perdido Vol.II: À Sombra das Raparigas em Flor, Marcel Proust]

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

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5/09/2007 06:11:00 da tarde  

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