segunda-feira, novembro 29, 2004



Sim Scarlett.
Não Scarlett.
Tudo Scarlett.

(Obrigado pelo serviço público.)

domingo, novembro 28, 2004

Da autoria do Edgar

Se alguma vez alguém lhe enviar este texto por mail saiba que foi originalmente o Edgar que o escreveu neste blogue. Para a outra vez pede-se o favor de quem se lembrar do «copia, cola» fazer o jeito de mencionar o autor e a origem. Então anda aqui uma pessoa a semear sem tirar os devidos dividendos? Está bem que o Edgar é uma boa alma, mas isso não implica que eu também seja e muito menos o Rui.

[o «muito menos» foi só para meter respeito Rui, tu sabes]

Desafio

Pena que o autor deste distinto blogue prefira o muitas vezes aconselhável comedimento. Por um misto de voyeurismo assumido com certa curiosidade académica sempre gostava de lhe ver dois ou três comentários em relação a este interessante texto de Luciano Amaral no Acidental Long Play. Ainda tenho aquela ingenuidade de quem julga que a verdade começa na síntese do ponto e contra-ponto...
«Não, não conheço», disse ele, mas, em vez de dar uma informação tão simples, a uma resposta tão pouco surpreendente, o tom natural e corrente que convinha, debitou-a destacando as palavras, inclinando-se, cumprimentando com a cabeça, ao mesmo tempo com a insistência com que reforçamos uma afirmação inverosímil para que acreditem em nós - como se este facto de não conhecer os Guermantes só pudesse dever-se a um acaso singular - e também com a enfâse de alguém que, não podendo calar uma situação que lhe é penosa, prefere proclamá-la para dar aos outros a ideia de que a confissão que está fazendo não lhe provoca qualquer embaraço, que é fácil, agradável, espontânea, que a própria situação - a ausência de relações com os Guermantes - bem podia ter sido, não sofrida, mas querida por ele, resultar de uma qualquer tradição de família, de um príncipio de moral ou de um voto místico que lhe proibisse nomeadamente a frequentação dos Guermantes. «Não», continuou, explicando pelas suas palavras a sua própria entoação, «não os conheço, nunca quis, sempre fiz questão de salvaguardar a minha plena independência; no fundo, eu sou uma cabeça jacobina, sabe. Muitas pessoas quiseram ajudar-me, diziam-me que fazia mal em não ir a Guermantes, que fazia uma figura de grosseirão, de velho urso. Mas essa é uma reputação que não me assusta, tão verdadeira que é! No fundo, neste mundo já só gosto de algumas igrejas, de dois ou três livros, de mais uns poucos quadros, e do luar quando a brisa da sua juventude traz até mim o aroma dos canteiros que as minhas velhas pupilas já não distinguem.» Eu não compreendia bem que, para não ir a casa de pessoas que não se conhecem, fosse necessário ter apego à independência própria, e como é que isso podia fazer com que alguém parecesse um selvagem ou um urso.

[Em Busca Do Tempo Perdido Vol.I: Do Lado De Swann, Marcel Proust]

terça-feira, novembro 23, 2004

Uma certa má noticia

Na semana passada em voltas pela web dei com esta notícia: o brutal assassinato do realizador holandês Theo van Gogh por fundamentalistas do islão que de forma bem vincada, de acordo com a sua sub-espécie de cultura, deixaram claro o seu desacordo em relação à curta-metragem que realizou sobre o estatuto da mulher no mundo islâmico. Submissão era o título do filme que focava de modo demasiado realista, no entender do assassino, a forma humilhante e atentatória dos direitos humanos com que a mulher é preferencialmente tratada no mundo fechado em que nasceu. O jornalisticamente correcto filho do politicamente correcto cada vez mais acéfalo e estreito não permite que notícias como esta tenham o destaque informativo devido. É sempre um aborrecimento acontecerem coisas que não sejam directamente imputáveis à política externa norte-americana, ao seu imperialismo a qualquer preço ou mesmo a um modo de vida demasiado livre que origina ódios no mundo árabe. Em paralelo esta é daquelas situações que o benemérito denunciador Michael Moore não explica. A quase omissão desta notícia resulta do filtro moralista dos pseudo-intelectuais da censura preventiva que vão fazendo escola. É o tipo de coisas que faz a esquerda mexer no assento. Não vai de encontro à indignação virtuosa anti-Bush. A esquerda criativa descobriu a antropologia cultural e encanta-se de bocejo aberto. O choque de civilizações é um facto concreto e observável que tem na instrumentalização da religião pelo poder e no terrorismo os seus expoentes mais perigosos e atentatórios. Como bem diz Amin Maalouf, que esteve recentemente em Portugal, o mundo árabe encontra-se à deriva. O assassinato de van Gogh não é a extrapolação de um caso isolado. Trata-se de identificar mais um sintoma. O fenómeno da imigração constitui uma problemática complexa que tem que ser encarada como central no atenuar do abismo que separa ocidente e oriente. Bem como outros passos que têm que ser dados se encontram no horizonte tais como a constituição do estado da Palestina, a estabilização no Iraque ou a nova ordem internacional sem organismos de resolução à altura e antiquados no tempo. As políticas de acolhimento têm que se voltar para a real integração que não significa diluição, nem por outro lado, aceitação absoluta. Mas é necessário que se olhe o choque cultural sem preconceitos ao contrário e como o problema contemporâneo. O enviezamento do pensamento fica para os inadaptados que julgam encontrar a origem de todos os males do nosso lado.O lado da liberdade.

[mesmo nos blogues do costume não vi referências; se a noticia fosse ao contrário, era logo aproveitada para a esquerda criativa exultar até à exaustão, sabe-se porquê: são eles que precisam transformar a mentira em verdade.]

Canas! Caniços! Caniçal! Bambú!

Aquela gente de Canas de Senhorim está a começar a mexer-me seriamente com os nervos.
A verdade é que a freguesia onde eles moram não tem as condições legais para se tornar conselho. É certo que certo governo passado demagogicamente criou uma claúsula de excepção (onde, bem benzida, lá passou Fátima, Deus tenha piedade das nossas almas), e ou há moralidade ou comem todos... porque é que a aldeola não há-de passar a concelho? E porque é que há-de? Por causa da pressão estúpida que eles estão a tentar fazer? É que parece-me que a tal claúsula de excepção é inconstitucional por esvaziar a lei e os critérios que esta enuncia. Ainda me lembro de há alguns anos atrás eles estarem a protestar no Dia de Portugal (de Camões e das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo... que mania de acrescentar títulos...) e assobiarem o Presidente da República (ainda antes do episódio do veto) durante o hino. Isso deixou-me indignado. Como é que aquela gente que argumenta com a tradição insulta o mais alto representante do país durante o hino que é um dos símbolos da nossa soberania? Que respeito é que me merecem?
E já agora alguém lhes explique que o PR só vetou a lei que os elevaria a concelho. Não tem poder para mandar a GNR a lado nenhum. Não tem poder para negociar leis. Não tem poder para apresentar propostas de lei. Não tem poder para os elevar a concelho.
Isso são poderes do Governo e da AR que demagogicamente assobiam para o lado enquanto insultam aquele que eles chamam Sua Excelência.
E ouvir aquela gente a dizer que "isto está pior que no tempo do Salazar"... a desfaçatez, a falta de pudor em afirmar isso. No tempo desse senhor já eles tinham levado com a GNR montada a cavalo em cima. Para não falar nos tiros (não de borracha) e nas prisões políticas. Para não falar na ausência dos energúmenos da Comunicação Social que para além de censurados não estariam certamente lá a dar cobertura. Sim, porque ninguém se lembrou de ir perguntar às pobres das pessoas que ficaram fechadas no comboio porque eles bloquearam a linha o que pensavam.
Se tivessem sido os estudantes do ensino superior já tinha caído o Carmo e a Trindade. Sendo os rurais do Portugal profundo ("da terra" ou "da aldeia") tudo bem, são o "povo" simples. É mais ou menos como as couves. Para além disso são uma boa notícia para abrir o telejornal...
Que direito têm eles de bloquear a mina do Estado (tradução: de todos nós)? Que direito têm de transtornar a vida às pessoas que viajam de comboio? De violar o seu direito à livre circulação no seu país? E ninguém lhes diz nada? Porque é que a GNR não devia estar lá? E com todos os meios que levaram, que aparentemente nem foram os suficientes porque eles ainda conseguiram bloquear a linha do comboio. Devem ser as duas coisas mais importantes daquela terra as minas e o comboio...
E o que é que eles acham que conseguem com a subida a concelho? Será que olham param os concelhos deste Portugal e vêem o paraíso? Se assim for alguém lhes arranje uns óculos...
Acho que vou começar o movimento "Castelo de São Jorge a concelho". Temos mais ou menos os mesmos fundamentos e a mesma razão. Sempre podia reivindicar os próximos rebentamentos de condutas como atentados e concerteza contaria com o apoio do Câmara Pereira... mas de palhaços falo noutra altura.
Disse.

segunda-feira, novembro 22, 2004

Duas margens

Quando me lembro daquela noite aquecida por ti não te vejo dentro da sala, estamos encontrados no caminho um do outro levantados de um jogo de verdade e mentira, no cais. Não sei se é forjada pelo meu mundo interior mas é a neblina que te traz. Concentro-me no teu rosto enquanto a luz fraca te ilumina. Falamos com o movimento sincronizado dos corpos, estremeço quando nos aproximamos, atraídos cara a cara, boca a boca, é essencial que a música não termine, eternizar a minha mão na tua mão. Que instantes intermináveis me dás. Uma noite no cais, no porto de Buenos Aires, onde nunca fui mas juro que estivemos. Desloco-me para dentro de ti e numa magia concertada pela tua beleza passo a ser indiferente ao somenos que me rodeia. Ao fogo do céu há que alimentá-lo continuamente. Que sei eu se não o percebi? Perdi-me demasiado no micro-clima do Monte da Lua. O que separa o vento forte do teu amor que delicadamente adornavas para que me tocasse como uma brisa envolvente, fresca de continuamente renovada, bonita de um riso de bem com o mundo, nunca consegui plantar o jardim que mereces. O que o separa do cais de Buenos Aires é a soma dos dias; dar um beijo, uma palavra doce, muitas notícias do coração, lembrar quando pertence. Explodir o peito nas tuas mãos suaves. Derramá-lo nesse teu modo imenso. Um sonho no cais, deixa-me dançar contigo o resto da noite, ao som do tango.

sábado, novembro 20, 2004

Democracia

Fui ver a peça Democracia, actualmente no Teatro Aberto. Gostei muito. Recomendo a todos que se interessem por política e pelos seus bastidores (o que devia ser toda a gente). E a todos que gostem de espionagem e história. Não deixa de me dar vontade de pergutar porque é que não há lideres de esquerda como antigamente... Willy Brandt, Olof Palme, Mitterrand... até mesmo Soares (o pai, claro). Desculpa lá Sócrates, mas não és bem a mesma coisa...

Esclarecimento

Que fique aqui esclarecido: Este membro do Blog dissocia-se de qualquer manifestação de alegria ou agrado por The Coors. Disse.

quinta-feira, novembro 18, 2004

As Manas - coisinhas light



Edgar, acho que finalmente podemos respirar de alívio. Parece que não perdemos mesmo nada de especial. Mas por via das dúvidas conviria uma opinião masculina. Só para anular o típico enviezamento feminino que pode surgir do facto de serem mulheres a criticar mulheres...

Adenda: Já agora repara neste outro público alvo e baralha-te à vontade. Acho que isto corrobora a nossa hipótese inicial.

[private sem exemplo]

Pequena variação futura:

Olha é inútil versar vamos antes relaxar um pouco.
Fecha os olhos.
Entreabre um pouco a boca, não, não te vou beijar descansa, é só para facilitar a respiração.
Imagina o sol a desaparecer atrás do horizonte.
Sim, se isso te ajuda, eu posso ser esse sol que desaparece.

terça-feira, novembro 16, 2004

Dominar o Mundo!!!

Não sei se repararam no simbolo do congresso do PSD deste fim de semana. Para os mais distraídos um pequeno auxiliar de memória: era um globo (um planeta terra), "PSD" escrito por cima e, por fim, com a típica seta laranja. Um bocadito fálica não? E então que é feito do resto das cores? Havia uma seta laranja, outra vermelha e preta, no simbolo original, pelo menos que eu me lembre... Já estamos a reescrever a história? Estamos a aprender alguma coisa com o PCP... e com o CDS (Freitas? Não conheço...). Ou será que algum do Maoísmo-Barrosismo ficou?
Mas onde eu me queria concentrar era no pormenor do globo... Porquê? Não, a sério, porquê o globo? Será que o objectivo último é a dominação global do mundo? Será que o nosso país não é suficiente para Santana? É que fazia lembrar um bocado aquelas organizações de mal-feitores, género "Specter" do James Bond, ou dos desenhos animados, género sindicato internacional do crime ou cientista louco. Será isso? Será que o PSD é uma organização de mal-feitores? Isso explicava muita coisa, mas então quem é que nos vai salvar deles? Onde é que está o nosso James Bond, ou o nosso John Wayne, ou o nosso Walker Texas Ranger (que passou de conínuo de escola secundária a Presidente dos Estados Unidos... Não perceberam? É natural). Bem de qualquer forma eles parecem de tal forma incompetentes que não devemos correr grande risco...
Ou será que é só para disfarçar?
De qualquer forma gostava de perguntar à(o) Santanette, animador(a) sócio-cultural, criativo (adoro esta expressão... need I say more?), publicitário, o que for que raio de ideia foi aquela? Representar a globalização? Quando digo que aquilo parecia um símbolo dos filmes do James Bond não é um elogio, estou a falar daqueles filmes dos anos 60, não é propriamente moderno...
O que quer que tenha sido... lamento, não resultou. Por favor continue a mandar postais.

segunda-feira, novembro 15, 2004

Uma originalidade

Com ano e pouco de um blogue que a amizade e a motivação para discorrer sobre os dias levou a criar encontra-se numa volta pelos arquivos posts de diferente escrita e perspectiva consoante as respostas, que aparecem em formatos diversos, que cada um dos três autores se propõe elaborar; sejam elas urgências na ordem do dia ou lembranças de folha resgatada ao cesto de papéis a existência de três inclinações políticas diferentes resulta em leituras com fundamentos distintos. Mas mais importante que a mera alteridade de opinião é a existência de um mesmo denominador comum que serve de motor: o ímpeto ávido do confronto quotidiano com a realidade. A originalidade de um blogue não inscrito em nenhuma etiqueta facilitadora da vida ao leitor, aventureiro por estas paragens, tem na diversidade uma força. Embora se conceda que a audiência não goste de ter o papel que lhe cabe dificultado e prefira a segurança de produtos acabados. Este estandarte que exibimos sem grande alarde - ao fim de ano e tal é a primeira vez que aqui se fala dele - onde na blogoesfera só encontra algum paralelo no Bar do Moe, tem na não institucionalização dos intervenientes uma das explicações, o que desde logo confere uma certa independência. Outra causa que se pode aliar é ainda mais óbvia e remete para a juventude de quem escreve. Pois abençoada juventude. Que busque na frescura de espírito a sua fonte recorrente e adie tanto quanto possivel o ingresso nas trincheiras onde a assinatura é de cruz, a primeira oferta uma granada e a aprendizagem principal o desbloqueio da cavilha com os dentes. Sendo certo que por cá, os abrigos são ainda menos cobiçados.

sábado, novembro 13, 2004

Um amor de Swann

O amor pode ser um êxtase que chega num belo dia de sol, ou num bonito dia de chuva. Uma repentina concentração de todos os sentidos. O amor pode ser desde logo prazer ou resultar de uma propensão favorável. As voltas que Swann dá para saber como ama. Um personagem de paixões e muito conflito ponderado. Nos próximos meses este blogue há-de também ser sobre o génio de Proust:

- Juro-te - dizia-lhe ele, momentos antes de ela partir para o teatro - que, ao pedir-te para não saíres, se eu fosse egoísta, todos os meus desejos seriam de que recusasses, porque tenho mil e uma coisas para fazer esta noite e eu próprio caíria na armadilha e ficaria bastante aborrecido se inesperadamente me respondesses que não ias. Mas as minhas ocupações, os meus prazeres, não são tudo, tenho de pensar em ti. Pode vir o dia em que, vendo-me para sempre afastado de ti, terás o direito de me acusar de não te ter avisado nos minutos decisivos em que sentia que ia emitir um daqueles juízos severos a que o amor não resiste muito tempo. Estás a ver, Une Nuit de Cléopâtre (que título!) não significa nada neste caso. O que é preciso saber é se verdadeiramente és aquele ser que está no último nível do espírito, e mesmo do encanto, o ser desprezível que não é capaz de renunciar a um prazer. Então se tu és isso, como poderá alguém amar-te, porque nem sequer és uma pessoa, uma criatura definida, imperfeita, mas ao menos perféctivel? Ès uma água informe que corre consoante o declive que lhe oferecem, um peixe sem memória, e sem reflexão que, enquanto viver no seu aquário, esbarrará cem vezes por dia contra o vidro que continuará a julgar que é água. Estás a perceber que a tua resposta, não digo que terá como efeito eu deixar imediatamente de te amar, bem entendido, mas te tornará menos sedutora aos meus olhos quando eu compreender que não és uma pessoa, que estás abaixo de todas as coisas e que não sei colocar-te acima de nenhuma?
(...)
Mas, a maioria da vezes, quando fazia um esforço, se não para permanecer no tempo tão especial da sua vida de que estava saindo, pelo menos para ter dele uma visão clara enquanto ainda a podia ter, apercebia-se de que já não podia; gostava de contemplar como uma paisagem que ía desaparecer aquele amor que acabava de abandonar; mas é tão difícil ser duplo e disfrutar do espectáculo verídico de um sentimento que deixou de possuir-se, que, com a escuridão a invadir-lhe o cérebro, já não via mais nada, renunciava a olhar, retirava o lornhão, limpava-lhe as lentes; dizia de si para si que mais valia descansar um pouco, que daí a um bocado ainda estaria a tempo, e metia-se num canto, negligentemente, no torpor do viajante ensonado que puxa o chapéu para os olhos para dormir na carruagem que sente que o transporta cada vez mais depressa para longe do país onde viveu tanto tempo e que decidira não deixar fugir sem um último adeus.
(...)
E com aquela grosseria interminente que nele reaparecia quando já não estava infeliz, e que ao mesmo tempo baixava o nível da sua moralidade, exclamou de si para si: «E pensar que estraguei anos da minha vida, que desejei morrer, que dediquei o meu maior amor a uma mulher que não me agradava, que não era o meu tipo!»

[Em Busca Do Tempo Perdido Vol.I: Do Lado de Swann, Marcel Proust]


Não há nada em que mais acredite do que em verdades momentâneas.
Esquecê-las um pouco. São uma desgraça.
Aprender a deixar-me estar.
Preciso de espaço vazio.

Arafat

Não quero ser o arauto do cepticismo mas francamente duvido muito que seja a morte de Arafat que vá desbloquear a questão palestiniana. O problema vai um bom bocado mais fundo do que a vontade de um homem. E não é a construir muros que se fazem pontes. De qualquer forma dá gosto como todos agora falam disso... Se em vez de aventuras iraquianas se tivesse optado por tentar resolver esta questão talvez se poupassem uns anitos de terrorismo...

quinta-feira, novembro 11, 2004

Se ele cai

- Sinto o coração colado ao peito apenas por um bocado de cuspo.
- Se me deixares eu faço-te senti-lo bem melhor...
- Sim, cospe à vontade.

Uma sentença, más educações, e muitos equívocos feitos diagnóstico

Na noite uma italianinha desemboca-me no peito. Apresentamo-nos. Quando lhe digo o que estudo, o efeito que a minha resposta tem nela prima pela diferença. Faz uma cara feia, retrai a cabeça como a afastar-se de alguma coisa repugnante. Diz: "A mente é só minha!"

Congelo durante 5 segundos.

Na aparente banalidade da mesa do café sou repentinamente despejado em cenas da vida entre paredes. Uma maria-rapaz de uma auto-censura cortante conta, sem nunca ter percebido o sintoma da coisa, da forma - a meu ver quase deslumbrante - como conciliava os mandamentos salazarentos da mãe quanto à impossibilidade de manter a luz acesa à noite no quarto e o prazer da leitura antes de dormir. Inventar a luz debaixo dos lençóis - uma lanterna a iluminar o espírito.

Ela não sabe a força do que ilustrou mas também desconhece o lugar fétido onde nasce.

Uma ex-namorada diz ao condenado, com a subtileza que as suas pernas não têm, que as suas mãos não têm, que o seu rabo não tem, que as suas mamas definitivamente não têm, mas que os seus olhos têm, que ele não sabe amar.

Ele baixa os olhos, enrola as mãos uma na outra e treme durante 10 minutos.

-É grave, doutora?

Um ícon para a História



Metade do meu desejo já foi satisfeito. Não se deseja a morte a ninguém? Pois eu perante a ausência de perspectivas desejava a de Arafat. Quanto a Sharon pedia apenas eleições. São os benefícios da cultura democrática. Mas quero acreditar que o próprio Sharon pode neste momento ter um papel importante.

Inverdade? Não!

Pois é, com que então então baixa dos impostos? Até se faz uma comunicação especial na televisão entre os valores da família e santa madre igreja (na pessoa do Santo Papa), para se disserem meias verdades, ou como o calão político gosta de lhes chamar: inverdades. O Ministro das Finanças, apesar de também não perceber muito disto já se fartou de dizer que os impostos não vão baixar. É certo que as taxas baixam mas o fim dos beneficios fiscais (claramente atentatório da tutela das legitimas expectativas das pessoas que fizeram os planos poupança incentivadas pelo próprio Estado através dos mesmos beneficios), significa uma martelada tal nas classes médias que o dinheiro que vai entrar nos cofres do Tesouro vai ser o mesmo. Ou pelo menos assim espera o ministro. Este também é outro com a mania da perseguição... economistas muito mais experientes e competentes do que ele criticam o OE e ele fala em perseguições... será outra cabala? Será esta voluntária?

Futuro complicado este...

Não tenho qualquer legitimidade para atacar o resultado das eleições americanas, desta vez foi mesmo das urnas que saiu o vencedor. Mas lá que não concordo... Só gostava que o resultado dessas eleições não importasse tanto para o resto do mundo, assim eles podiam afundar-se no seu conservadorismo neo-liberal e hipócrita sem nos incomodarem. Será que os americanos recearam ficar sem fonte de anedotário? Se era só por isso podíamos emprestar-lhes o Durão (ficava na Europa o José Barroso). Sempre é mais inofensivo...

segunda-feira, novembro 08, 2004

Se Kerry vencesse as eleições não encontraria nenhuma glória especial

e não me sinto especialmente desgraçado porque ter sido Bush a ganhá-las. E desta vez não há margem para dúvidas, ganhou-as mesmo.

Prefiro ficar deste lado do Atlântico sem grandes arrebatamentos morais em relação à América.
Pasme-se, até consigo encontrar uma razoável expectativa em relação ao segundo mandato de Bush.

Importante seria encontrar uma Europa bastante mais interveniente e firme tendendo para uma voz com existência decisiva e menos preocupada em policiar pensamento (uma espécie de censura preventiva...) como se viu em relação aos membros da comissão europeia primeiramente indicados por Durão Barroso.
(Se o presidente indigitado deveria ou não evitar o incómodo e recuar mais cedo é uma questão diferente).

sexta-feira, novembro 05, 2004

Teatralizar

Conseguir justificar aquilo que com clareza se pretende. Qual é a tua intenção? Sugerem-me comunicação. Parte-se de uma imagem escolhida. Vejo aquele que me completa, metade diversa do que o meu corpo poderia ter sido e apenas não foi. Conseguirei ao mesmo tempo entregar-me, apesar da distância? Guardo-lhe os contornos do corpo, primeira expressão a ocupar o espaço, hei-de olhá-lo, reagir, o desafio impõe-se. Tê-lo presente e afirmar-me para que ele saiba de mim aqui. São os sentidos - e pela primeira vez utilizo-os de forma intensiva, pondo de lado o direito da utilização preferencial de um ou outro conforme o contexto ou o objecto - que me puxam para outros corpos. Avanço numa construção lenta e contínua por cima de uma memória desperta. Domino o tempo. Respiro com vagar. Desenho movimento que só o espaço pode proporcionar. Quero criar contraste. Tomo iniciativa. Fingir à força de espontaneidade que se acredita. Alguma coisa acontece se não se fica amarrado a si próprio. Largo as composições externas. Perco-me na anarquia e restabeleço-me na liberdade. Não se ensina, nunca confundir com inúteis explicações, tem a ver com colocar humanidade dentro. Tudo palavras cheias. É bom aprender o requinte. Sei que preciso conhecê-lo. Deixo que seja uma variação consistente daquilo que me oferecem constantemente com uma piscadela de olho.

Encontrei um texto

especialmente interessante na Tasca da Cultura. Não pelas razões mais óbvias, ou porque concorde ou discorde. Parece-me em primeiro lugar que indica um certo estado de espírito talvez falacioso.

Depois também na Tasca, e abandonando o lado etéreo da coisa, leia-se o post I Love USA.
Aqui já sou suspeito. Subscrevo.

quinta-feira, novembro 04, 2004

A eleição do medo

Através de uma sondagem efectuada para perceber as razões da escolha dos eleitores, ficou-se a saber que 85% dos votantes em Bush fizeram-no porque é dele que esperam segurança e protecção mais consistentes, no que à ameaça terrorista diz respeito. Não há grande novidade nisto e admito que possa ser legítimo. Nem falo no esvaziamento em relação às politicas internas de justiça social, economia e finanças, etc, que isto significa e que para o caso concreto importam-me menos. Mas a possivel instrumentalização do medo aflige-me.

quarta-feira, novembro 03, 2004

Vamos lá ver...

A Europa de olhos postos nos EUA. O mundo também. O problema é se é só o estilo que muda e não a substância. O problema é se nada muda. Pelo menos a abstenção baixou, o que é sempre um sinal de vitalidade de uma democracia. Ou de um país dividido ao meio.
Seja o que as urnas quiserem.

terça-feira, novembro 02, 2004

Vislumbres

Algumas vezes, por um outro motivo, apego-me a imagens desfocadas, memórias incertas, pensamentos que vagueiam meio perdidos, coisas que escapam ao alcance talvez porque brilhantes de novidade, passam ao lado, ou ficam no espírito rápidos instantes, como sombras em fuga ou uma ideia que não se chega a impôr; se surge fica o momento de um contacto breve e quando procuro fixar os pormenores já lá não está. Seduz e desaparece. São buscas a que volto raras vezes, quase por desencontro ou tropeço, sabendo que me agarram, quando nelas me detenho, de forma mais vincada do que estados mais frequentes, atitudes mais familiares, ideias mais gerais.

O que cabe no tempo

O tempo esmaga-me. É uma frase impressiva que gosto de dizer como imitação, e como tal exagerada, do que se vai ouvindo em tagarelices dispersas. Não me preocupo com o tempo. O tempo cronológico, aquele que passa. Não deixo que o tempo me guie. As horas não me levam. Radico no tempo uma linearidade despojada, simplificada ao máximo. Há um começo e há uma adicção contínua: assim como não existem várias histórias mas apenas uma. Individual. Isto leva a uma conclusão. A de não existirem depósitos temporais estanques. Pode-se querer apagar mas também somos produto daquele passado incómodo. Mesmo que se sonhem milagres o futuro não é um tão desconhecido tempo. Somos sempre nós que afinal falamos ao tempo. E isso faz toda a diferença. Depois, ser jovem ou envelhecer é uma programação orgânica, não é um fardo que carrego. Salutar é ter presente que a emoção não é algo que se detiora por degeneração de células. Articular raciocínio não chega a uma altura em que provoca dor física. O tempo é uma séria aldrabice para as nossas pequenas vilezas. Não ter tempo. Claro que colocar o tempo no seu devido lugar, como todas as pretensas estratégias de desmascaramento, acarreta os seus imponderáveis. Sou mau vizinho. Faço umas asneiras de dieta. Deixo à espera. Troco as voltas aos ponteiros, a noite e o dia servem-me conforme. Perco tempo. Ganho tempo. Escolho antes de fazer. Classifico. Porque as agendas são uma droga e não têm imaginação.
Lembro-me de um conto de Sam Shepard:
A vida é o que te está a acontecer enquanto estás a fazer planos para outra coisa qualquer.
Boa.