segunda-feira, abril 18, 2005

José Gil

Os sucessos literários estão logo do lado esquerdo na primeira mesa de quem desce as escadas rolantes. São as parvoíces do costume, mas cada um é como cada qual, uma frase sem outro propósito que não seja amesquinhar a glória e defender os menores. Portugal, Hoje: O Medo de Existir, o décimo sexto livro de José Gil que até aqui eu não conhecia de lado nenhum, transformou-se num sucesso editorial. Um pequeno tratado de Filosofia com novos conceitos pensados pelo autor, polvilhado de Psicanálise e Sociologia e arguta perspicácia na avaliação da coisa habitual que na maioria das vezes é significante mas que por cá se esgota na normalidade, sem outro tempo que não seja o da repetição. A cultura televisiva que num país de incultura sobressai como molde, a inconsequência do acto seja ele uma ida ao cinema ou a realização de uma ilegalidade: tudo inscrito em sitio nenhum ajudado pela ausência de memória e de um torpor nebulado. A inexistência de um verdadeiro espaço de diálogo onde a primazia seja dada ao confronto, troca e partilha. Uma suficiência regrada que coloca o coração aberto numa perpétua dúvida e hesitação, a diminuição da «potência de vida» pela obliteração do desejo, não sabendo que um primeiro desejo se prolonga num segundo; a urgência bipolar entre o Salazarismo e uma espécie de «pós-modernidade» irreal e pior que tudo não-preparada. A cultura do medo, o sistema de inveja e o ressentimento que contaminam as relações sociais. Sobre tudo isto, que são só alguns exemplos que destaco, discorre a intuição do génio observador. O sucesso do livro explica-se pela identificação com a experiência empírica do leitor. Ali são descritos os colegas de trabalho, as chefias, os amigos, a família, os vizinhos, a ex-namorada, ali vive sobretudo a dificuldade de um povo de escala reduzida com medo de viver. O Super-Ego Salazar é uma repressão vezes dois no nosso inconsciente colectivo.