terça-feira, outubro 05, 2004

Os novos líderes: talvez Sócrates.

A propósito da vitória de José Sócrates como secretário geral do PS têem existido algumas opiniões que sentenciam o regresso do Guterrismo, ou pelo menos uma nova era com velhos costumes. Apesar dos apoiantes de primeira linha de Sócrates serem na generalidade os mesmos do guterrismo, o modo e o caractér do líder agora presente situa-se a grande distância da vincada inacção que constituía o fundo da gestão guterrista. Não é de prever que volte a máscara da constante busca do diálogo e do consenso, com muito marketing e auréola cristã, para no fim resultar um passo à frente e outro atrás e tudo ficar inalterado, sem mudança, procurando minimizar a perca de simpatias. A ausência de decisão, ou mesmo a incapacidade de decidir, não caracteriza Sócrates que dentre o leque ministerial frouxo que Guterres escolheu como espelho, sobressaía como alguém com desejo de mudança, que queria fazer, que identificava problemas e tentava soluções, originava rupturas e criava conflitos. E isto, note-se, na pasta do Ambiente que tradicionalmente (e quase sempre por duvidosas razões) não traz dores de cabeça de maior. Curioso é verificar que falando de Guterrismo aponta-se para uma certa forma de governar. Ora Sócrates no imediato vai ser líder da oposição. Mas é natural que ninguém tenha grandes dúvidas, mesmo de forma não consciente e não o querendo aceitar, que Sócrates saia vencedor das próximas legislativas...

Carpir a ausência dos líderes políticos de antigamente ou lamentar a inexistência de um conjunto de valores, ou características carismáticas, tidas como essenciais no exercício da actividade política desvalorizando e relegando os actuais líderes para polidos vendedores de sabonetes é uma análise estafada e que por si só não favorece a democracia e acaba por não alertar o cidadão para nada de relevante. Isto porque se esgota numa desvalorização da actividade política em vez de extravasar esses limites e perguntar à sociedade que politicos gera e como os gera. É da ordem das coisas que as transformações sociais se façam sentir em todos os campos da vida pública e privada. A crescente importância da imagem é um facto que entra de forma determinante também no ciclo político actual como gerador de sinergias. É provável que o velho e esforçado carisma do passado tenha sido substituído pela imagem. Saber se Sócrates lê o teleponto enquanto discursa ou acusar Santana Lopes de ter uma imagem como se esse fosse o seu maior pecado resulta de uma intelectualidade ingénua, talvez cinzenta, que precisa de se actualizar. Tendo a sorte de se ter a tal imagem de a saber projectar e mesmo instrumentalizar para daí tirar benefícios é um facto aceitável com que é necessário saber conviver. A fixação na imagem por deslumbramento (o que acontece ao eleitor comum) não é pior que a fixação na imagem por preconceito (o que acontece a alguns comentadores ). Claro que o problema não deixa de ser o de sempre. O desenvolvimento de um país não passa pela afirmação de uma imagem e portanto é necessário em primeiro lugar a prioridade fulcral de se ter ideias, de as planear e de as levar a cabo. Mas o constante sublinhado de que fulano tem uma imagem (quase dizendo: fica bem no ecrã, logo é volátil) em vez de se denunciar da forma que se pense mais apoiada de que primeiro que tudo o que não existe, o que falha, são as ideias, construíndo a declaração pela negativa, é o modo mais acertado de se recentrar a questão no essencial.