quinta-feira, outubro 21, 2004

O pior momento

As imagens que hoje vimos, e que há muito tempo não víamos, de alguns estudantes de Coimbra em confronto directo com a polícia, que a príncipio tentou afastá-los para que não interrompessem uma reunião do Senado da U.C., acabando por existir lançamento de gás mostarda como forma de dispersar os estudantes, é a materialização evidente do estado de espírito que se foi instalando em relação a este governo, principalmente em relação à figura do Primeiro Ministro Santana Lopes, uma vez que os restantes ministros, alguns de valor já demonstrado, são esquecidos centrando-se, como se quer, o foco em todo e qualquer acto feliz ou infeliz de Santana Lopes. Passa-se que existe uma histeria geral, insegurança difusa que tende para a reacção impensada, exagero absoluto, desonestidade intelectual, deturpação. A frequência com que se omitem factos dando-se relevância a outros consoante a conveniência disparou. A predisposição negativa que se criou desde o príncipio da tomada de posse de Santana Lopes tem sido explorada até à exaustão pela oposição, que deixou de ser apenas na forma continuada dos partidos de força política oposta com assento parlamentar, mas uma larga maioria de comentadores que escrevem e falam como se a desresponsabilização fosse afinal, desde sempre, a característica mais querida de cada um. Existe um conjunto de sentimentos negativos, desde o desprezo ao rancor, que perpassam em muito do que é dito e dirigido a Santana Lopes. A convocação sistemática de fantasmas do 24 de Abril; da privação de direitos adquiridos é um sintoma. Feito neste tipo de moldes o debate não é minimamente sério, e ao contrário do que se possa pensar existe excesso de debate hoje em dia. Desemboca na confusão. De um lado o que existe é uma falta de talento flagrante. Do outro um exorbitar da história para proveito próprio, ou simplesmente desfasamento, ou ainda ausência de rumo. Voltando aos estudantes de Coimbra, eles provocaram e desafiaram de forma gratuita a policía sem nenhum objectivo que não fosse a mera arruaça. O que é que isso tem a ver com duas ou três ideias sobre a questão das propinas, ou mais importante, sobre o Sistema Educativo? Nada. Antes, tem a ver com isto: logo que a polícia esboçou uma atitude mais firme um estudante agarrou rapidamente num megafone que tinha preparado por perto e denunciou glorioso, quiçá triunfante, a vitória da tarde: Fascistas!!! Assim se comportam também oposição e comentadores, empurram o governo para a arruaça. É muito fácil atacar o governo. Sócrates com toda esta turba a ladear, tem a vida bastante facilitada como nunca teve um líder da oposição, mas talvez venha involutariamente a pagar caro quando vencer as próximas eleições - e vai vencê-las -, porque o seu estilo está mais próximo de Santana do que de Cavaco Silva, Mário Soares ou - e agora é a minha vez de ser gratuito - de Alváro Cunhal que Pacheco Pereira tanto aprecia. No meio de tudo isto a voz abafada do suspeito Jorge Sampaio quase não se ouviu em entrevista à Antena 1, conforme cito via Bloguitica:

"[O actual Governo] não está em diferentes condições do que outros no que respeita à sua apreciação (...) não se padece de nenhuma predisposição para ser dissolvido, nem mais nem menos do que qualquer outro com que trabalhei."


Vai ser penoso de assistir a todo este circo se assim continuar até ao final da legislatura. Um governo a arrastar-se, continuamente assombrado, na medida em que não querem ter outra função, por inúmeras carpideiras.

P.S. Outras grandes faltas de vergonha vão acompanhando o clima de histeria que se foi instalando como aproveitável, reveste-se de marcas especialmente arrepiantes quando se juntam dependência e irracionalidade, como no futebol: a conferência de imprensa de Luís Filipe Vieira depois do Benfica-Porto foi de um mau gosto atroz.