Lisboetas, no Indie
Sérgio Trefaut (brasileiro) fez um filme sobre aqueles que tentam a sorte da vida em Portugal, que imigram para Lisboa. Chamou-lhe Lisboetas. Como filme trata-se de um falhanço porque não satisfaz alguns requisitos essenciais para motivar o espectador que busca, embora se possa aceitar que a índole do exercício esteja mais virada para a ideia de documentário. Mas como documentário o tombo ainda é maior visto que não encerra nenhum valor documental, testemunhal, não se entrevê um olhar clínico, uma abordagem sociológica aproximada e mesmo por leve que seja. Se baixarmos a fasquia não melhoramos a análise, o filme (vou continuar a chamar-lhe assim por uma questão de economia) não consegue sequer despertar o espectador para uma realidade que enquanto cidadão lhe pode passar ao lado. Ficamos a saber que um brasileiro acha que arranjar trabalho em Portugal é fácil com ou sem contrato, ficamos a saber através de uma "lisboeta" de leste que o Sistema Educativo português é pouco exigente mas que em compensação as praias são muito boas. E ficamos a saber mais uns poucos lugares-comuns que nos são dados ao conhecimento através de frugais conversas ao telefone que os imigrantes fazem para familiares. As conversas são tão desgarradas (como o conjunto das imagens) que fica-se na dúvida de quem será o verdadeiro autor, se quem fala, se o realizador com guião prévio. A imigração é um fenómeno complexo que permite diversas formas de abordagem, desde a partida dos países de origem, as máfias, a legalização, o acolhimento, a inclusão/exclusão, as condições sócio-económicas, o desenraízamento das segundas e terceiras gerações, a habitação, a forma como são vistas as diferentes comunidades migrantes e o tipo de interacção que estabelecem, etc. A forma ligeira como o filme se desenvolve, sem rumo, roçando o folclore, suscita --suscitou-- por vezes o riso na plateia que serve de factor conducente a uma atitude ainda mais distanciada ou quanto muito paternalista. Depois o filme centra-se sobretudo nos imigrantes dos países de leste, alguns brasileiros, e ignora a população de origem africana que até é a grande maioria. Isto espelha uma certa tendência que se tem vindo a instalar. Será que existem imigrantes de primeira e de segunda? Mais uma vez o retrato parcelar não abona em favor do filme e torna-o pernicioso. Existem ainda assim uma ou duas cenas interessantes: os "almeidas ucranianos" que de madrugada cantam enquanto lavam a calçada do bem lisboeta elevador da Glória e a cena (de tipo câmara oculta) que filma capatazes em plena acção de "recrutamento" de mão-de-obra barata no Campo Grande. O filme termina com uma cena de profundo mau gosto: um parto. Nunca vi um parto filmado no cinema. Mas quem quiser encetar essa tarefa terá que o fazer com cautelas redobradas e atentar na pertinência da cena, e no modo como é apresentada, sob pena de rapidamente se cair no ridiculo e na banalização de um momento de grande valor humano. Filmado assim de chofre soa a um pretensiosismo ruidoso e bem desnecessário no conjunto de um filme medíocre. Sérgio Trefaut apostou alto, mas perdeu.
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