sexta-feira, maio 21, 2004

Prazeres de cama.

A semana passada dei cabo de quatro livros. Esta já vou com quase três. Leio quando não tenho nada que fazer. Quando acontece ter muitos afazeres ao mesmo tempo, o que raramente deixo que suceda, leio na mesma; por vezes transformo a leitura numa desculpa elevada. Quando compro um livro vai directamente para a mesa de cabeceira, a viagem para a estante só mesmo no final de lido. Quando o ímpeto consumista vence a ponderação, o que no ser português e' bem frequente, os livros vão-se acumulando em torre. De tempos a tempos, correm entre dias e semanas uma meia dúzia de dias que me esqueço de ler. Literalmente. Julgo agarrar-me 'a vida real de uma forma compenetrada e esforçada; suponho que nessas alturas farto-me de praticar o bem, cuido dos outros e sou estimado pela comunidade como um bem-feitor desinteressado. Sem tempo. E depois esqueço-me de mim. Pouco leio. Outras vezes não menos trágicas estou pregado, e como um velho senil, num ápice esqueço-me do meu objectivo; e' quase um pecado de soberba, percebe-se porquê, fixo as palavras, construo cenários, penetro nos personagens, mas ao fim de duas páginas, reparo que não consegui desenredar-me da minha existência. Não avançei. Isto encontra-se muito mundo fora, e longe de ser apenas na leitura. Tomo consciência da falha e procuro concentrar-me nova vez. Inútil, passado quatro páginas eis-me caído na penumbra das próprias imagens vagas e imcompletas. Claro que ler também passa por isso. Mas não facilita nada quando a mesa de cabeceira ameaça abagar com o peso. Levanto-me, bebo um copo de agua, faço uma festa ao cão, vejo se o Tejo está bonito, sim continua bonito, e torno-me a deitar. Não consigo ler senão deitado. Nunca em toda a minha curta vida, curta comparadamente com a caldeirada dos séculos, consegui ler sentado. Mas a coisa adensa-se. Eu nunca li em nenhum outro sitio que não fosse na cama. E digo isto com um certo rubor de faces. Intimamente penso que a melhor forma de conquistar uma mulher, bom não todas, seria ela surpreender-me na cama a ler, tal e' a carga erótica que sem querer imprimo 'a coisa. Leio sempre o grosso da trama deitado de lado com a cabeça, por sua vez deitada, no antebraço. O livro coloco-o, também ele deitado. As pernas vão mexendo. Deitar-me com o livro, deve ser a ordem que o inconsciente exige. São alturas que consigo desligar-me de mim. Nessas ocasiões leio muito depressa, sugo folhas umas a seguir 'as outras e chego rapidamente 'a contracapa, saciado. Foi o que ocorreu nas ultimas duas semanas. A torre, passou a prédio de poucos andares. Horrorizado recordei que a Feira do Livro começa este ano mais cedo. Tinha que dar um avanço em leituras atrasadas.

Os livros regressam hoje ao Parque. Leiam e divirtam-se.
A vida vive-se com mais gozo depois de lida.