sábado, maio 08, 2004

Isto começa a explicar-se.

Era eu um adolescente rebelde, só me faltava andar em bando e idolatrar Nirvana, quando reprovei a Português por faltas. Nada que um exame estival não tenha resolvido, embora uma media interessante na disciplina tenha sido atirada 'as ortigas. Tudo tem o seu desagravo, o mais obvio era a alergia que o perfume barato da professora me provocava. Os professores são uma classe com uma auto-estima precária. Depois havia momentos decadentes. Lembro-me de a docente contar muito espevitada, que em criança numa qualquer quinta do Minho o passatempo favorito ser despir-se, «as cuecas inclusive», e saltitar de poça em poça - de lama – banhando-se. Isto alterava obrigatoriamente a minha audição quando ela lia o «Felizmente há Luar». Perversa. Apesar de ter prescindido de muitas horas de sabedoria com tão profissional criatura consigo ler e escrever. Quase poderia ter existido um conflito de interesses, mas eu claramente preferia ficar a ler a ‘Montanha Magica’ do que ouvir as historias da professorinha. Saudavel ironia. Enquanto conhecia o magnifico Hans Castorpp as faltas acumulavavam-se no livro de ponto e desprezava as minhas obrigações enquanto aluno atento e empenhado que deveria ser mostrando desta forma gratidão para com a excelência educativa que o país me proporcionava. O meu obrigado leva a economia de mercado que permitiu terem aberto as FNAC’S. Por portas e travessas circularam outras versões, muito rasteiras e que não dou grande valor, segundo as quais o que havia era uma incompatibilidade entre a sala de aula madrugadora e as nocturnas aulas de quarto, muitas vezes fora de Lisboa, que a paixão juvenil e' bastante incerta. Outras vezes aparecia nas aulas. E fazia testes. Uma ocasião numa dessas «avaliações de conhecimentos» tive que escrever um «resumo». Aquilo para mim era fácil, mas o tempo estava bom e queria despachar-me. Na altura lia muito o Independente e deliciava-me sobretudo com o João Pereira Coutinho, aquela mania de escrever três palavras e colocar um ponto final cativava-me. Um puto está habituado aos livros de Português do Ministério e depois vai ler as crónicas do Indy, e' como passar dos Morangos com Açúcar para o Playboy Channel. No Indy via-se tudo. O resumo lá ficou pejado de pontos finais a entremear umas tantas palavras. A comedia reside na professora ter gostado da inovação e aquando da entrega dos testes pediu-me para ler aquilo alto para que toda a turma bebesse da minha fonte. A parte triunfante ainda estava para vir e foi ver o desespero boçal de um colega de primeira carteira que tentou muito inutilmente questionar o alinhavo das palavras, ele que era bastante afamado por referenciar a escola «como determinante por toda a sua vida», sendo que nunca faltava a uma aula e sabia de cor o «manual». Apeteceu-me chamar-lhe «punhetas» mas mantive a minha altivez sapiente.