terça-feira, abril 13, 2004

Paulo Coelho em entrevista 'a Veja: «Que rio, pô?»

Veja – Depois de tanto sucesso, as críticas ainda o incomodam?
Coelho – Eu sou um autor muito polarizador: as pessoas me amam ou me odeiam. Estou acostumado. Mas a única crítica que me magoou não foi dirigida a mim. Foi quando disseram que meu leitor era burro. Eu não quero generalizar, mas existe um fascismo cultural no país.
Veja – O senhor se sente perseguido por ele?
Coelho – Acho que são perseguidos por ele todos os que não se enquadram num certo padrão, que é o de valorizar o que é incompreensível e inacessível. Só que, felizmente, isso só vale para a crítica, que se isolou da realidade. As pessoas que escrevem esse tipo de coisa ficam numa torre de marfim, sem saber o que se passa em torno delas. Acham que estão abafando, que está todo mundo escutando o que elas dizem. Só que não sabem que ninguém dá ouvidos a elas. De
que adianta um livro que impressiona mas que não é lido? O que eu disse sobre James Joyce é verdade: ele é ilegível, ilegível.
Veja – Mas livros como Ulisses e Finnegans Wake, de Joyce, são considerados marcos do modernismo, talvez dos mais geniais do século
XX. O senhor acha que a sua obra irá sobreviver também?
Coelho – O fato de uma obra sobreviver não quer dizer que ela seja lida. Eu tentei ler Ulisses, não consegui e achei que era burro. Só que eu não sou burro, Ulisses é que é ilegível. Mas as pessoas se acovardam muito para falar dessas coisas. Você tem sempre de passar a idéia de que entendeu tudo. E a culpa não é sua, a culpa é dos caras que escreveram. Eles têm a obrigação de ser claros. Burro é quem não
sabe se explicar. Mesmo um livro como Sidarta, do Hermann Hesse, é uma coisa mal-acabada. O cara não soube acabar o livro, entendeu? Termina com aquela frase: "Tem que olhar o rio". Que rio, pô? Acho que o Hermann Hesse não sabia como terminar o livro e meteu essa história aí de rio.



O James Joyce e o Hermann Hesse não se sabiam explicar. Conclusão directa. Porque tudo e' simples em Paulo Coelho, ou em escritores do género «levezinho», estas respostas bem podiam ser dadas tal e qual pela Margarida Rebelo Pinto. Eu mesmo se me conseguisse abstrair da complexidade da construção dos sentimentos ate me lançava numa aventura emocional muito 'a flor da pele e daqui a três meses já tinha carro novo. E' com o mercado de leitores envolvidos num dia-a-dia desgastante, proporcionado ou por uma intrínseca incapacidade de gestão de afectos ou pelas bem mais tangíveis dificuldades que condições de vida exigentes representam, que os escritores de cenários estereotipados e resposta pronta contam. Quantas pessoas tranquilas encontram prazer neste tipo de livros? Depois o unico o feed-back esta' em não encontrar feed-back. Esquece. Trata-se do afastamento do Eu, ou se quiserem expressao menos livresca, da ausencia de confronto. Se não há confronto, não existe conflito interior. Mas também não se cresce. Como diria Saramago, um escritor menor que se tornou moda criticar negativamente: “Cresce-se mais 'a sombra que ao sol”. Pois. Só que a sombra não bronzeia. Tudo isto e' legitimo mas bem diferente de cometer erros de avaliação. E' a escrita da adequação instantânea das emoções. Baralha pouco e volta a dar. Ora perguntem lá aos Morangos com Açúcar da blogosfera se com mais ou menos pozinhos de perlim-pim-pim, não rabiscam em três tempos um fast-book de venda imediata???