quinta-feira, abril 22, 2004

Golpes.

O tipo, referenciado desde já como o bandalho, ria a olhar de lado como que a esconder uma formula de que não se podia conhecer a pratica. Este riso parecia consistir na única contradição necessária ao desempenho da encenação. Nas constantes conversas de grupo, próprias de quem frequenta o mesmo espaço todos os dias, apresentava-se abandonado e aguardava quedo o desenrolar do palavreado, procurava ajustar a banalidade ao exacto momento em que a vozearia se tornava menos subtil e mais acesa. Não fosse, por azar, sobrar verdade para o seu lado. Quebrava os momentos que na sua continuidade poderiam desembocar em algo útil. Ora isto era contrario 'a sua natureza, o descomprometimento outorgava-lhe a liberdade de objecto publico. Servia para tudo, porque não servia nada. Qualquer assomo de personalidade era uma machadada nas hipóteses de sucesso. O bandalho preferia desempenhar o papel de caricatura; se havia alturas em que era necessária algum género de acção, esta estava preparada para sair repentina. Decalcava, o bandalho. Agia por colagens. E incidia sempre numa natureza deficitária. Faltava sempre algo. O bandalho mimetisava uma ausência que culminava em suplica. Certo era o bandalho representar o lamento da espécie. Eu lamentava-o, a tristeza.

-Um merdoso qualquer trocou-te as manhas?
-Faltava-lhe o útero, intuíam elas.
-E davam-lho?
-As inocentes.