domingo, fevereiro 01, 2004

Neve, e' neve! E' branca!

A minha vida estava vazia e nao lhe encontrava sentido. Para aligeirar os dias levantava-me cedo encharcava-me de perfume e assim envolta no meu odor misturado com Davidoff procurava enfrentar mais um dia em constante correria. Era a minha arma. O meu sorriso mil vezes treinado em frente ao espelho ja' nao o considerava meu, de tantas vezes que o mostrava a quem me interpelava no trabalho. Forma melhor de corresponder 'as solicitacoes a que me sentia incapaz de dar resposta. Que revelar de mim? Nem a melhor maquilhagem Estee Lauder conseguia disfarcar as minhas insuficiencias... O que me salvava era que na maioria dos casos encontrava-me entre iguais. Tentava nao levantar grandes burburinhos, por exemplo ia sempre almocar ao restaurante onde iam todos os meus colegas e no meio deles esforcava-me por passar despercebida: o meu trunfo era rir bastante alto das piadas que os meus colegas faziam e assim parecer melhor integrada. Senti um terror enorme so' de pensar se no lugar da Mariana fosse eu a interpelada pelo Bernardo quando ela nao se riu de uma piada que ele fez acerca do banho dos caes Dalmata dele. Esteve bem 15 minutos a perguntar-lhe o que e' que se passava com ela, se estava bem. Ele deve ter tido um ataque subito de inferioridade so' porque ela nao se riu da piada que ele fez. Ficou rispido e distante. Bom, na verdade distantes somos sempre todos. Proximidade so' mesmo quando por exemplo o Bernardo e eu ficamos a actualizar o Software ate' mais tarde e ele me comeca a beijar o pescoco e manda que deite na mesa para, diz ele, aliviar o stress acumulado. La' tenho eu que fingir um orgasmo e utilizar da melhor forma possivel a imaginacao que nao tenho.

Tentei pensar, e esforcei-me: Primeiro julguei ideal comprar um livro daqueles de auto-ajuda, tipo: 'Aprenda a ser feliz em 30 licoes', como avaliava o meu caso de rapida perda identitaria como grave, (quer dizer, como se perde o que nunca se alcancou?) ajuizei que 30 licoes seria pouco e coloquei a hipotese de lado. A solucao veio alguns dias depois quando andava na net a' procura de um 'gigolo' porque ja andava farta de passar tanto tempo sem conseguir ter orgasmos. E' que a minha ansiedade e a minha pouca disponibilidade para me entregar a uma pessoa tem sido um bloqueio ao prazer! Eu so' queria ser uma mulher de emocoes passageiras e variaveis como todas aquelas que conhecia e assim tentar ter algum prazer. (Sera que elas tinham?) Andava eu entao a procurar na net um 'gigolo' e inseri no campo de pesquisa Sex in Lisbon. Relembro essa hora gloriosa com genuina alegria ( va' nao se riam foi mesmo genuina!) Vou ter a uma pagina que tinha a data de 30 de Janeiro e que dizia no inicio: A minha cabeça estava muito confusa, não sabia que pensar nem o que sentir (para variar!). Delirei! Identifiquei-me logo! Era aquilo mesmo que eu era! Nao sabia nunca o que sentir, baralhava tudo, e pensar nem sabia se pensava, alias melhor seria senao pensasse mesmo! Sem pensar sim, teria certeza de sucesso nas minhas relacoes sociais! Ali tinha eu na minha frente um guia futil e actual (cheio de referencias a marcas!!!) para me dedicar todos os dias e assim ajudar-me a enfrentar o mundo aparente em que eu estava inserida. Bastava seguir todos aqueles 'cliches' e procurar algumas dicas de comportamento e nao correria riscos de parecer uma pessoa com sentimentos, ou vida propria, ou (Deus me guarde!) personalidade! Aquele cabecalho era o auge da falsidade! Dizia tudo! Os autores eram um fenomeno; corpos andantes telecomandados por esta sociedade fundada na imagem e no consumismo! Reparem: 'aventuras e prazeres', nao ha' ali nada de aventureiro ou prazenteiro apenas a mesma linha de rumo previamente definida e sem surpresas. Depois: 'dois amigos que falam de tudo o que se fala nos dias de Lisboa', e' a subversao completa! eles julgam que o mundo pequenino deles representa tudo e todas as conversas vejam la' se nao era de um mundo pequenino que eu estava mesmo a precisar? e' que senao perco-me percebem? Nem pensar em extravasar os limites! Ainda mais: 'sem hipocrisias e sem demencias'. Bom aqui concordo. E' preciso ter-se o minimo de inteligencia para se ser hipocrita! E quanto 'a demencia e' um caso crasso de identificacao projectiva, (onde e' que eu aprendi isto??) eles defendem-se chamando aos outros aquilo que eles proprios sao! Simples! Alias, nem poderia ser de outra forma... E as historias de cama? Sem uma gota de sensualidade ou amor! Apenas avaliacoes frias e calculistas. E a finalizar a grande perola que me deixou convencida: mencionar a palavra 'independencia' e' sinal que eles serao realmente os meus gurus para sempre. Estao irremediavelmente perdidos! Confundem uma longa teia de dependencias, influencias, em que o 'Eu' desaparece e e' devorado por um nos' que se sobrepoe a qualquer tentativa de pensamento individual, duas palavras, alias, rigorosamente proibidas! Sao todos profundamente dependentes uns dos outros, sempre numa logica descartavel! Usa e deita fora! Fazem todos as mesmas coisas, tem todos os mesmos gostos, dois 'amigos' sao capazes de se chatear 15 vezes num mes que esta' tudo bem, porque no fundo nada importa! A nao ser, claro, o parecer! Amanha ja' vou falar numas ferias na neve, que faz de conta que fiz! Claro que o que vou contar sera os amigos com quem fui e o que comprei e que foi o maximo! Neve, e' neve! E' branco! Ja' tenho assunto e vao-se roer de inveja! So' nao percebi uma coisa: com tantos comentarios e numero de visitantes, havera' assim tantos e tantas frustradas e desesperadas em busca desenfreada de pistas para uma vida inutil?