segunda-feira, janeiro 19, 2004

Que farei quando o estomago arde?

Cheguei de la' ontem, mas pareceram varios dias. Os rostos ignoravam-me muito embora eu olhasse como quem aguarda uma resposta. Por vezes tive medo, fazia toda uma rua rente 'as montras apressado e de maos enterradas nos bolsos. Nao havia nada para ver, nada para sentir. Uma infinita sequencia de contratos, a cada um a sua tarefa. A motivacao da posse era augurio de abandono. De um vago abandono pressentido no outro e que obrigava a um trato cuidadoso e distante que persistia como uma inevitabilidade, nao fosse um avanco da mais pura essencia abrir feridas, so' apressadamente saradas. Agora que olho este ceu a perder de vista sinto-me progressivamente mais leve, mais solto, pertenco-me de novo. Respiro. Sou apenas eu e quem amo. Nao basta para ser feliz? Tenho todo o mundo reunido naquelas estantes e o que resta, talvez o mais importante, naqueles cumes pedregosos. Como e' possivel viver naquele infinito jogo de dependencias? Cada um necessita do outro na exacta medida da troca. Meros objectos sem rosto .
Fui nao tive outro remedio, perca de tempo a minha preocupacao mesmo conhecendo a sua predisposicao para se constituir como um espelho que apenas reflecte o inominavel mundo que ele tanto ambiciona abarcar. Ele, um reflexo enganadoramente voluvel que se tranforma avancando num caminho unico. O caminho do bem.

- Dizes tu?
- Diz ele.
- Nao acreditas?
- Antes de decidirmos o objectivo ha' que perceber com que instrumentos realmente contamos. Depois de estar feita essa enumeracao, podemos rever-nos ou continuar com a farsa.

Feliz a hora em que, antes de encetar viagem, caminhei ate' onde a terra me pareceu mais pura e fertil, ali junto ao rio, e cavando o solo com os dedos apertei um punhado de terra e depositei-o humido e virgem nos bolsos que me ladeiam. Foi essa forca que me permitiu enfrentar o espectaculo da morte.

- Como vais? Admirado? Julgavas que vinhas para o meu funeral, hem? Estou mais vivo que nunca! Sai' do hospital ontem 'a noite! Foi preciso muita coragem para ter feito o que fiz, percebes?
Foi uma coisa que me passou pelos olhos! Maus momentos! Mas eu sou de boa fibra o estomago nao quis nada com o herbicida que la' enfiei!
- Vim porque vives. Nao viria se o pior tivesse acontecido. Folgo muito em ver-te com essa energia toda (Tudo bem Maria Joao?) mas o que te levou a tomar semelhante atitude desesperada?
- Qual desespero! Achas que um homem como eu desespera? Que um homem que ate' tem coragem para enfiar pelas goelas dois frascos de herbicida, desespera?
- Andas cansado, com problemas? Vem ate' a' Vila! Passamos la' uns dias e...
- Foi um mau momento pronto! Amanha estou de volta ao trabalho, tenho um encontro com um cliente logo pela manha e 'a tarde tenho uma reuniao numa multinacional, deve ser importante! Vou levar o Adolfo comigo, ja' esta' em estagio e tem que aprender como se trabalha a 200 'a hora! Tu la' pela serra e' mais calmo, nao? Tens mais paz e 'as vezes eu... eu...
- Fico feliz por teres sido socorrido a tempo.
- Ele proprio telefonou para o 112, assim que ingeriu os frascos... Chorava... Foram-lhe feitas varias lavagens ao estomago...
- Maria Joao! chega de conversas ja' estamos atrasados! E tu, queres boleia ate' 'a estacao?