sexta-feira, maio 28, 2004

Quem são eles?

O governo da maioria cujo nome de coligação faz lembrar uma claque de futebol está a voltar aos tiques do prepotente "quero, posso e mando" do (para alguns saudoso) governo do Sr. Cavaco Silva. Primeiro o Sr. Primeiro Ministro insulta uma Deputada dos Verdes, dizendo que lhe faltava a legitimidade para falar por nunca ter ido a eleições sozinha, sem o PCP. À poucos dias a Sra. Ministra das Finanças afirmou que o novo Director Geral do Millenium BCP das Contribuições e Impostos, ou qualquer coisa parecida, merecia mais o seu salário do que o Deputado que a tinha interpelado.
Isto demonstra uma falta de respeito pelas instituições democráticas tremendo. No nosso regime democrático a soberania, una e indivisível, reside no povo que a exerce nos termos da Constituição. Como é claro que uma democracia directa é impraticável, o povo elege representantes que exerçam essa soberania em seu nome. Quem é que é eleito directamente pelo povo no nosso sistema constitucional? A Assembleia da República e o Presidente da República. São esses os órgãos de soberania que têm legitimidade democrática directa. Que legitimidade tem o governo? Derivada, pois é nomeado pelo PR de acordo com o resultado das eleições para a AR. Ou seja, qualquer daqueles Deputados insultados estes últimos dias tem mais legitimidade democrática do que os insultantes. Ao insultar os Deputados representantes da Nação insulta-se todo o povo português que os elegeu e que eles representam.
É certo que isto é uma visão jurídica, que para certas opiniões hoje em dia vota-se mais no Primeiro Ministro do que no Deputado. Mas não devemos esquecer que este governo deriva de uma coligação pós eleitoral e que muitas das pessoas que votaram PSD não se revêm no governo que temos (principalmente no Paulinho das feiras tranvestido de Ministro de Estado e da Defesa e cheio de posse, valha-me Nossa Senhora!). Portanto, mesmo deste ponto de vista a sua legitimidade é manca...
Uma Deputada dos Verdes foi eleita por uma coligação, mas tem tanta legitimidade como qualquer outro Deputado.
Se compararmos um Director Geral, por muito competente que seja (e para a Sra. Ministra certamente será, vem do privado, não é nenhum "calão da função pública", petit-nom ministrial especialmente dedicado à dita função pública), com um Deputado, este, por representar a Nação, é capaz, repito é capaz, de merecer o seu salário tanto ou mais do que o certamente competentíssimo (mais do que qualquer outro Director Geral que alguma vez existiu, pelo menos vai ganhar mais do que qualquer outro Director Geral que alguma vez existiu) Director Geral das Contribuições (do Millenium) e Impostos (BCP). Será este o nome? Estou sempre a enganar-me... Apre!
Quem são eles para nos insultar assim? Quem são eles?

quinta-feira, maio 27, 2004

Ah, o futebol...

Um dia destes (acho que foi anteontem) quando cheguei a casa o televisor estava ligado no telejornal (se é que lhe posso chamar isso) da TVI. No seu melhor estilo demagógico e populista descrevia profusamente todos os males do país, a justiça saúde, incêndios, as recentes prisões de pessoas que se julgavam acima da lei (o que levaria a pensar que nem tudo vai mal no reino da justiça, mas uma reportagem TVI não liga a uma coisa menor como a lógica, até porque não dá audiências, ou pelo menos assim acham), a já famosa depressão nacional (eu não me sinto deprimido e vocês?), etc... Creio que a conclusão era mais ou menos esta: o que nos animar agora é o futebol (Porto e selecção).
Estou a ver a lógica, não é preciso reformar, modernizar, melhorar nada, não, que disparate! Basta umas vitórias no futebol para que se esqueçam do "isto é que está uma crise" e pronto: já vivemos de novo no melhor dos mundos. Receita bem simples...
Aliás, não é nada de novo, já os romanos diziam: panem et circenses. O pior é que o circo já cheira mal (deve ser o "sistema" que passou de validade, sim porque os "sistemas" são como os pacotes de leite, tem de se ter muito cuidado com a validade), e pão, isso, não há muito... e manteiga muito menos.
Mas isso, isso são cá coisas minhas.

segunda-feira, maio 24, 2004

Do Aviz:

"Depois de ler o que se publicou sobre o congresso do PSD, parece-me que foi um bocadinho o derradeiro congresso do PS com Guterres, mas sem a presença de Carrilho."

Naquele ultimo congresso do PS com Guterres existia uma clara atmosfera de paz forjada que transpirava por todos os poros, Carrilho foi o unico assomo de vitalidade. Nada disto se sentiu em Oliveira de Azemeis nem existem condiçoes objectivas para tal. Aposto que daqui a dois anos vamos assistir a mais um congresso do PSD e com Durão Barroso na liderança, o presidente do PSD tem vindo progressivamente a afirmar-se como primeiro-ministro de confiança. Já a existência daquele abraço no final a Paulo Portas, isso sim espero bastante não assistir de novo daqui a dois anos.

Mudemos de política. FJV pensa melhor quando escreve assim:

"BEBER, NÃO BEBER. A história de Lula e do NY Times continua a fazer chegar mails de vez em quando. Um deles (Nuno M.) pergunta: «E por que é que acha que Lula faz bem em beber?» Não faço a mínima ideia; mas incomodam-me os ascetas da política, os moralistas da vida pública. A explicação não é razoável, eu sei, mas a verdade é que todos os ditadores de todas as tendências eram muito moralistas e ascetas, Hitler proibiu o tabaco, o «puritanismo» (a designação não é a mais correcta, eu sei) encheu-nos de pecados sociais. Se Lula bebe, é com ele. Desde que não caia redondo a meio de um dos discursos cheios de vento, eu acho que ele tem direito aos seus três whiskies diários e aos dois charutos digestivos."

A explicação e' bem mais razoável do que parece.

Claudia Wilson Gator: I'm really nervous that you're gonna hate me soon. You're gonna find stuff out about me and you're gonna hate me.
Jim Kurring: No. Like what? What do you mean?
Claudia Wilson Gator: You have so much - so many good things. And you seem so together. You're a police officer and you seem so straight and put together - without any problems.
Jim Kurring: I lost my gun today.
Claudia Wilson Gator: What?
Jim Kurring: I lost my gun today when I left you and I'm the laughingstock of a lot of people. I wanted to tell you. I wanted you to know and it's on my mind. And it makes me look like a fool. And I feel like a fool. And you asked that we should say things - that we should say what we're thinking and not lie about things. Well, I can tell you that, this, that I lost my gun today - and I am not a good cop. And I'm looked down at. And I know that. And I'm scared that once you find that out you may not like me.
Claudia Wilson Gator: Jim. That, that was so...
Jim Kurring: I'm sorry.
Claudia Wilson Gator: - great. What you just said.

Magnolia (1999)

A verdade toda e' que

não leio somente na cama (ver post "Prazeres de cama"), já li enquanto viajava de comboio. Como em Portugal não existem verdadeiramente distancias dignas de grandes viagens, a CP faz o favor de prestar um serviço que permite ler um livro de 400 páginas com alguma tranquilidade enquanto se vai dando uma espreitadela pela paisagem. Prazer em risco, porque infelizmente a ferroviária portuguesa tem evoluído e qualquer dia ler no comboio só mesmo a crónica breve do EPC no Publico mais o tempo de introspecção cuidada acerca da mesma, e ala que se faz tarde. Quando olho a minha estante identifico com alguma vergonha (nem consigo encarar as lombadas de frente) uns tantos livros lidos num terceiro local e que constitui um real purgatório para a fragilidade física dos livros: a praia. Ler na praia constitui uma ofensa corporal grave ao livro. Por isso mesmo, quando me aparvalho e submeto o livro ao sol, 'a areia, ao risco dos pingos de água salgada, e 'a minha frequente falta de concentração motivada pelos biquinis, escolho sempre portentos para levar. Já estou mesmo a ver. Se decidisse fazer-me acompanhar por um livro da MRP regressava do mergulho e a substancia descrita estaria desfeita em grãos de areia. O Mário Vargas Llosa sempre e' mais resistente 'as agruras balneares.

-E da vida também?
-Sim, da vida também.

No outro dia um parvo qualquer disse-me em tom declamatório: «Ai a literatura... O que faríamos nós sem a literatura...!», destes fujo, são os piores. Não percebem nada. E' claro que toda a gente pode levar a cabo alguma actividade sem nunca ter posto a vista em cima de um livro aberto, e mesmo assim com assinalável sucesso. Ele dizia a frase feita porque devia ser um poucochinho. Comparados com a literatura podemos ser ou não ser, depende da transfiguração das duas partes. Se o tipo não se identificava e colocava a literatura num altar, qual santo de pau oco, então que vá ler tudo outra vez. Concordo que podemos e devemos amesquinhar-nos um pouco perante Joseph K., Lituma ou Murphy mas existem limites a partir dos quais se entra na crendice. E como se sabe crer e' fazer absolutamente nada. O conhecimento, todas as duvidas e certezas pormenorizadamente exploradas, a loucura e a verdade, o impulso, usar a vida para perceber o que dela sai. O gajo? Um seguidor do vazio. Mais um dependente, infâmia maior, da literatura. Escolhia errado, era o que fazia.

domingo, maio 23, 2004

A Palmada de Cannes.

Quero acreditar que este ano se continuou a revelar e a mostrar bom cinema em Cannes. De certeza que se deram a conhecer bons filmes no mais afamado festival europeu da sétima arte. “Fahrenheit 9/11” do pastel Michael Moore foi uma brincadeira bastante obvia por parte de Tarantino, presidente do júri, que mais uma vez demonstrou toda a sua presença de espirito. Fiquei mais impressionado com esta atribuição da Palma de Ouro do que com a cena do enterro da ‘Black Mamba’ viva no Kill Bill 2. Tarantino que domina a mestria do cinema e com ela convive habitualmente, resolveu fazer um intervalo e divertir-se um pouco com o desenho animado, a.k.a. Michael Moore. Resulta que o cinema não perde porque o pastel não o representa, apenas se situa na orla dos baldes de pipocas com muito corante vermelho. O filme do desenho animado deve ser quase uma colagem sequencial inspirada nos mails que o pessoal se diverte a trocar sobre o texano mais poderoso e bronco desde que existe vida e memória. Em Cannes as próximas eleições dos EUA já eram e os votos estão em cima da mesa. Bush perde. Por mim nada a objectar, desde que na realidade tudo não seja ficção cientifica, como o livro que inspira o nome do filme. Duffy Duck a comentar Bugs Bunny, com todo o respeito que essas excelentes figuras da Walt Disney me merecem, e' o cenário simpático que me ocorre a propósito do pastel sobre o bronco. Tarantino: vai-te deitar.

P.S. Não quero comentários ingénuos a dizer «ainda não viste o filme». Boa?

sábado, maio 22, 2004

Chamaram-me...

Chamaram-me um dia
Cigano e maltês
"Menino, não és boa rês"
(...)

Zeca Afonso, Tive o diabo na mão


Chamaram-me um dia "geek dos filmes", "nerd que lê livros", "intelectual". O barrete assentou-me, senti-me atingido e lisonjeado. Obrigada pelos elogios. Uma sociedade onde acusar alguém de ler livros é um insulto, é uma sociedade onde eu quero ser insultado.
«arisca», por deus, tanto que eu dava para ouvir dos lábios de uma mulher esse pequeno vocábulo. Que palavra desconcertante.
«Eu sou arisca», diria ela.
«E eu amo-te», responderia eu.

sexta-feira, maio 21, 2004

Mas o que e' que ela tem?

PJ Harvey parece que vai a Vilar de Mouros. O ano passado em Paredes de Coura assisti ao servicinho que ela fez e nem me aqueceu nem arrefeceu. Mas o pessoal gosta de insistir. Ela ate deve cobrar pouco.

Prazeres de cama.

A semana passada dei cabo de quatro livros. Esta já vou com quase três. Leio quando não tenho nada que fazer. Quando acontece ter muitos afazeres ao mesmo tempo, o que raramente deixo que suceda, leio na mesma; por vezes transformo a leitura numa desculpa elevada. Quando compro um livro vai directamente para a mesa de cabeceira, a viagem para a estante só mesmo no final de lido. Quando o ímpeto consumista vence a ponderação, o que no ser português e' bem frequente, os livros vão-se acumulando em torre. De tempos a tempos, correm entre dias e semanas uma meia dúzia de dias que me esqueço de ler. Literalmente. Julgo agarrar-me 'a vida real de uma forma compenetrada e esforçada; suponho que nessas alturas farto-me de praticar o bem, cuido dos outros e sou estimado pela comunidade como um bem-feitor desinteressado. Sem tempo. E depois esqueço-me de mim. Pouco leio. Outras vezes não menos trágicas estou pregado, e como um velho senil, num ápice esqueço-me do meu objectivo; e' quase um pecado de soberba, percebe-se porquê, fixo as palavras, construo cenários, penetro nos personagens, mas ao fim de duas páginas, reparo que não consegui desenredar-me da minha existência. Não avançei. Isto encontra-se muito mundo fora, e longe de ser apenas na leitura. Tomo consciência da falha e procuro concentrar-me nova vez. Inútil, passado quatro páginas eis-me caído na penumbra das próprias imagens vagas e imcompletas. Claro que ler também passa por isso. Mas não facilita nada quando a mesa de cabeceira ameaça abagar com o peso. Levanto-me, bebo um copo de agua, faço uma festa ao cão, vejo se o Tejo está bonito, sim continua bonito, e torno-me a deitar. Não consigo ler senão deitado. Nunca em toda a minha curta vida, curta comparadamente com a caldeirada dos séculos, consegui ler sentado. Mas a coisa adensa-se. Eu nunca li em nenhum outro sitio que não fosse na cama. E digo isto com um certo rubor de faces. Intimamente penso que a melhor forma de conquistar uma mulher, bom não todas, seria ela surpreender-me na cama a ler, tal e' a carga erótica que sem querer imprimo 'a coisa. Leio sempre o grosso da trama deitado de lado com a cabeça, por sua vez deitada, no antebraço. O livro coloco-o, também ele deitado. As pernas vão mexendo. Deitar-me com o livro, deve ser a ordem que o inconsciente exige. São alturas que consigo desligar-me de mim. Nessas ocasiões leio muito depressa, sugo folhas umas a seguir 'as outras e chego rapidamente 'a contracapa, saciado. Foi o que ocorreu nas ultimas duas semanas. A torre, passou a prédio de poucos andares. Horrorizado recordei que a Feira do Livro começa este ano mais cedo. Tinha que dar um avanço em leituras atrasadas.

Os livros regressam hoje ao Parque. Leiam e divirtam-se.
A vida vive-se com mais gozo depois de lida.

quinta-feira, maio 20, 2004

Voox listeners favourit radio station: BOWS!

A Voox estava moribunda. Já não era a estação que se distinguia pelos programas de autor diários. Transformou-se numa radio que transmitia de um estúdio que se adivinhava deserto. Quando foi comprada por um CDS/PPzinho qualquer (grande expressão Rui, grande expressão) era uma sombra insignificante de um projecto cheio de altos e baixos mas que tinha constituido um verdadeiro sopro de vida no marasmo das ondas da FM assente em play-lists estafadas. Por uma vez existiu na telefonia um programa semanal onde se debatia o panorama radiofónico português. Paira na saudade, como outros, o ‘Galinhas no Horizonte’, antes na TSF intitulado ‘A Linha do Horizonte’ da autoria de Ricardo Saló. Infeliz ironia da TSF, no espaço nocturno que a ‘Linha do Horizonte’ ocupava ouve-se agora um programita maçador chamado ‘A idade da inocência’. Esquecida ficou no éter a voz de Fernando Alves quando publicitava o programa de RS, indo ‘uns passos a frente nessa busca’. A busca que a nova musica experimentava. O único programa em directo, alias o único programa que a Voox continuava a colocar no ar era o ‘Vidas Alternativas’ o tal programa ‘muito pouco católico dirigido a todos os protestantes sexuais’ que pareceu ter incomodado um certo gay de armário. A radio que actualmente transmite em 91.6 não tem projecto editorial algum. Parece realmente que o ‘Vidas Alternativas’ assustava muita gente. Acabou.

quarta-feira, maio 19, 2004

Finalmente!

Finalmente, depois de 25 anos de Estado de Direito assinou-se a nova Concortada. Finalmente assegura-se a igualdade entre igrejas, que não seja obrigatório que cada novo pedaço de betão seja encharcado de água benta, que os padres paguem impostos como qualquer pessoa normal (já agora, porque raio é que eles não pagavam impostos?), que na escola e no exército possam existir sacerdotes de outras religiões, que um budista se possa casar segundo os rituais budistas e isso valha (ainda) quase tanto como um católico. Finalmente parece que neste país de beatos vai começar a separação entre a igreja e o Estado.
Finalmente.

Isto é tudo igual. Ou não.

Não sou eu que quero desculpar terroristas iraquianos, os outros é que querem desculpar criminosos americanos. Já disse e repito: o que se passou não foi um acaso, é uma técnica de interrogatório admitida e instigada pelo governo americano. As democracias não podem abdicar dos seus princípios na luta contra o terrorismo, porque senão o terrorismo já venceu. Se isso acontecer, as democracias perdem a sua legitimidade e começam-se a tornar só menos más do que as ditaduras. Os presos têm direitos, os mesmos direitos do que qualquer um de nós, são humanos, mesmo que sejam iraquianos. É certo que certas pessoas que os querem libertar à força devem estar um bocado chateadas por eles não estarem a querer ser colonizados, perdão, libertados. Quando se compara a acção de soldados americanos com a de extremistas islâmicos está-se a por os dois ao mesmo nível, a admitir que a situação é comparável. Mais uma vez a tornar um menos mau do que o outro, mais desculpável. Será que acham que por se ter cortado a cabeça a alguém se podem torturar os presos do inimigo? Isso faziam os nazis... Até eu acho que não deve ser isso, por isso concedo que deve ser um engano no raciocínio. Não se pode comparar criminosos extremistas com os membros de um exércio de uma democracia que (supostamente) estão ali para libertar e democratizar o Iraque. Aposto que os GNR's não fizeram mal a ninguém e estão a fazer um bom trabalho. Um dos parceiros da coligação é que parece deixar o seu desprezo pelo direito internacional ir longe de mais.
A ONU pode ter todos os pecados, mas representa todos os países por igual. Se é ineficaz, é porque não permitem que ela seja eficaz.
Sucede que o Iraque de Sadam se encontrava inserido num equilibrio geoestrategico vital, veja-se a questão dos Curdos que pode desestabilizar tês países para além do Iraque (Turquia, Irão e Síria). O inevitável piorar da situação palestiniana. Isto para além das consequências terríveis de uma guerra civil no Iraque, e da questão da segunda maior reserva de petróleo do mundo. Os paises identificados como potencialmente perigosos, são perigosos (a Coreia tem uma bomba nuclear que pode atingir Tóquio, se a Líbia desenvolver uma pode atingir Roma). Nem se vislumbra a ligaçao da Birmania, da Coreia do Norte ou da China ao terrorismo tal como nunca ninguém viu provas da ligação do regime laico de Saddam (ele não gostava de compartilhar o poder com o clero) com o terrorismo islamico. A Libia é islamica e apoiou o IRA, por isso não vamos lá por religiões. A moralidade devia imperar de forma unilateral e simples.
Que haja responsabilidade. E já agora a tal moralidade. E que alguém me responda: porque é que se invadiu o Iraque? Os direitos humanos já foram à vida, o que é que inventam a seguir? Que foram à procura do Elvis? Ou do JFK? Tenham dó!

terça-feira, maio 18, 2004

José Ramos Horta, esse "falcão" suspeito.

O novo governo socialista em Espanha cedeu às ameaças terroristas e retirou as suas tropas do Iraque. O mesmo aconteceu com as Honduras e a República Dominicana e é muito provável que não sejam os últimos. Com a perspectiva de que segurança vai piorar, temos de aceitar que mais alguns países - que não valorizam o que o Mundo tem a ganhar com a construção de um Iraque livre - irão retirar.

Seja o que for que os governos em retirada engendrem, cada vez que um país abandona o Iraque é uma vitória para a Al Qaeda e outros extremistas. Eles tiram a conclusão de que a coligação é fraca e que quantos mais ataques terroristas realizarem, mais países retirarão.
(...)
A queda de Saddam é, em contrapartida, uma oportunidade para construir um novo Iraque pacífico, tolerante e próspero. É isso que os extremistas de todo o mundo muçulmano tentam impedir. Eles sabem que um Iraque livre minaria fatalmente o seu objectivo de purgar de toda a influência ocidental o mundo muçulmano, derrubar os regimes seculares da região e impor regimes semelhantes ao que existia no Afeganistão sob os talibã. E sabem que se forçarem os países ocidentais a retirar do Iraque isso será um grande passo para atingir esse objectivo, pondo em perigo a existência dos regimes moderados - do Médio Oriente ao Magreb e Sul e Sudeste Asiáticos. Se esses regimes caíssem, centenas de milhares de muçulmanos que hoje denunciam os "males" do imperialismo económico e cultural ocidental afluiriam à Europa, Estados Unidos, Canadá e Austrália em busca de refúgio.
(...)
Há quem me acuse de ser mais um fomentador da guerra do que um Nobel da Paz, mas não tenho medo de confrontar os meus críticos. É sempre mais fácil dizer não à guerra, mas ser politicamente correcto significa deixar os inocentes a sofrer, desde Phnom Penh a Bagdad. E é isso que quem foge do Iraque corre o risco de estar a fazer.


Ver o texto completo.
Quiz Kid Donnie Smith: I'm sick and I'm in love.
Thurston Howell: You seem the sort of person who confuses the two.
Quiz Kid Donnie Smith: That's right. That's the first time you've been right. I confuse the two and I don't care.

Magnolia (1999)

Não passará.

O conceito prévio, sem justificação fundada, tem apesar de tudo um valor didáctico e facilitador desde que funcione como meio de transporte. Se não se sai dos seus limites, mau, o caso muda de figura. O Vasco Pulido Valente pode ser arrogante. Ninguém leva a mal. Já eu não posso. Vão dizer que e' da idade. Passa com o tempo. Se estiver sentado num sitio confortável a falar com uma rapariga bonita e de cinco em cinco frases não resistir a apreciar-lhe as pernas, passarei por frustrado, ou imaturo. Vão dizer que e' da idade. Passa com o tempo. Quando um gajo diz duas ou três coisas vagamente diferentes recebe um olhar mimoso e uma festinha na cabeça «pronto já passou», paradoxalmente o pessoal jovem em busca da adulticia forçada e da hipoteca na Caixa Geral, ambas metas interligadas e identificadas como urgentes em muitos casos, são os principais utilizadores desta fantasiosa arma de plástico. Se ignorar alguma tarefa social mesmo que de importância mínima e motivada sabe-se lá porque causas obscuras vão chamar-me irresponsável. E naturalmente colocar as culpas nas duas décadas e tal. Passa com o tempo. Desisti de ter calendários em casa, a via sinuosa dá-me um certo descomprometimento. Falam-me da vida escorreita e eu peço qualquer coisa de substancial. Sei que pode funcionar para sisudos ou para pessoas boas. Senão se for muito inseguro pode-se dar ouvidos 'a multiplicidade que abunda o dia-a-dia, talvez fiquemos a rir ou chorar, isso já e' menos objectivo. Saber como viver preocupa o senhor do nervoso-miudinho. A mim não. Sempre fui um gajo calmo. O papel profissional e' uma construção alegórica que exige seriedade e exigência. A personalidade também mas em sentido oposto. São as características decorrentes da «imaturidade» que combatem o conformismo, a mentira e o vazio. Em certos círculos também se nota que alguma actividade pensante pode ser apelidada de «irreverência da idade». Claro que este post, e estragando tudo, pode ser mera teoria desculpabilizadora do próximo exagero etílico. Porque, destino cruel, hei-de ser para sempre imaturo. Brindemos a isso.

segunda-feira, maio 17, 2004

Europeias (II).

Irá ser interessante verificar quem preferencialmente vai dar o corpo ao manifesto a propósito das eleições europeias. O cabeça de lista da coligação PSD/PP praticamente ainda não apareceu nem interveio. A coligação espera adiar o debate, que se aguarda pouco edificante, até ser estritamente necessário. Durão Barroso sabe que o PS vai centrar tudo em questões de governação interna. O que vai estar em cima da mesa residirá na necessidade de os portugueses premiarem a coligação com uma derrota nas eleições, não derivado de o PS ter ideias precisas sobre a Europa e sobre as possibilidades e o papel de Portugal, ou mais importante, de as saber passar e conseguir sublinhar a diferença (se existir) mas simplesmente porque o governo merece um cartão vermelho. Naturalmente a linguagem tem que respeitar a maré futeboleira e Ferro Rodrigues aproveita para granjear simpatia em patéticas campanhas de rua, onde também distribui apitos. O líder do PS quer fazer destas eleições uma antecâmara de vitorias futuras. Necessita mostrar que tem capacidade para vencer e julga conseguir desta forma a sua sobrevivência política futura. Ninguém acredita que Ferro Rodrigues tenha condições para se apresentar a votos nas próximas legislativas, com uma derrota nas europeias o fim de Ferro apressa-se. O debate vai ser instrumentalizado para tirar partido de algum descontentamento do eleitorado em relação ao governo. Claro que isto não tem nada a ver com uma troca de ideias minimamente enriqueçedora sobre a Europa ou sobre os projectos de cada partido perante uma constituição supranacional de que os portugueses não conhecem contornos nem o que significa em concreto. O recente alargamento da UE seria um excelente ponto de partida se a agenda interna não se sobrepusesse. A abstenção impõe-se, e escusado vai ser lamenta-la, quando a novidade e o desempenho activo para a contrariar não existiu. Em condições ideais estas eleições seriam o mote para aumentar a informação e potenciar o esclarecimento acerca das transformações da EU, muito mais importante do que o mero confronto de programas, ou do que a agenda política imediata.

Quando se confundem os lados resta muito pouco.

A verdade histórica requer bem mais que uma excessiva concentração em incidentes de percurso inaceitáveis, mas marca de muitas guerras e por parte de diversos intervenientes. Como falamos de um país democrático vieram rapidamente a público os excessos resultantes da pressao que a guerra provoca na estabilidade dos soldados e alguns dos envolvidos começam desde já a ser julgados em tribunais marciais e espera-se que as consequencias mais pesadas se façam sentir sobre as chefias militares directas. A verdade histórica também não se compadece com visões parcelares que dificultam o olhar global. Empolar uma humilhação fotografada segue a visão anti-americana, esquecer a decapitação filmada de um norte-americano também. Se falamos de direitos humanos, existe claramente um foco de exigência em relação aos EUA (e bem) mas demasiado caritativo com atentados criminosos que subsistem por parte de quem nega um iraque livre. Muito se pode ler sobre «os demónios americanos» até se podem encontrar ódios repentes que levam a escrever coisas pouco pensadas como «Bush igualou-se a Sadam». Atinge muita gente um princípio funcional que provoca apatia generalizada quando se trata de condenar as tentativas criminosas dos saudosistas de Sadam liderados por um tal Moqtad, e que não representam a vontade da maioria dos iraquianos, mas que provoca disparos de adrenalina quando o que conta é enxovalhar os EUA de forma obssessiva, propangandística, adepta, e acusatória, identificando desesperadamente nos EUA a origem de todos os males sociais que nos assolam. Existe uma atmosfera que estimula a indiferença aquando da condenaçao do horror terrorista no Iraque, quase se entrevê um certo acomodar ao habito (do tipo racista: «não é novidade, eles matam porque é-lhes de cultura própria»), mas de uma militança exacerbada quando se trata de condenar os EUA. Sucede que o Iraque de Sadam nao se encontrava inserido em nenhum equilibrio geoestrategico como estao muitos dos paises identificados como potencialmente perigosos. Nem se vislumbra a ligaçao da Birmania, da Coreia do Norte ou da China ao terrorismo que como se sabe é arabe e que foi largamente apoiado por Sadam. A moralidade impera de forma unilateral e simplista. Os EUA nao podem ir a um, senao teem que ir a todos. Por outro lado o farol mediatico concentra-se sobre os EUA, como se nao existissem outros casos que superam de forma flagrante e silenciada a «vileza» norte-americana.

A ONU não é uma entidade extraterrestre. A ONU burocratizada dos dias de hoje agoniza com a cobardia da França e da Alemanha. Afirmar que existe alguma desorientação política em relação ao Iraque por parte da administração Bush é aceitável e constitui um problema que provavelmente só será resolvido com a transição do poder de facto. No terreno e na globalidade, fora algumas insurreições terroristas localizadas, o futuro do Iraque não está de forma algum comprometido e encontra-se muito distante da guerra civil que alguns previam. Comparar Bush a Sadam resulta numa subversão completa e abre caminho aos maiores perigos. Os EUA como a Europa representam a sociedade ocidental democrática e livre. Não podemos misturar gratuitamente a liberdade com o sangue de um ditador criminoso. A liberdade ocidental não carece de auto-flagelação.

Seria tremendamente mais proveitoso que o anti-americanismo primário se tranfigurasse num movimento alargado de pressao publica para que o eterno conflito israelo-palestiniano caminhe para uma soluçao de compromisso que significaria um esvaziamento da «causa terrorista». Claro que isso nunca traria os divendos que as forças politicas do «anti-imperialismo» ganham com a manipulaçao que fazem da actualidade. Nunca os ganhos eleitorais se basearam tanto em fachadas moralistas. Fica para outro post.

domingo, maio 16, 2004

O que é que resta?

As pessoas que respondem ás fotografias chocantes da tortura americana aos prisioneiros iraquianos com argumentos como: "se o Saddam ainda lá estivesse era pior", ou "isto é só propaganda anti-americana", metem-me nojo.
A acreditar nessa gente os americanos afinal não eram os libertadores, eram o menor de dois males. Isso não pode ser um argumento, como já tantas vezes disse. Se assim fosse os americanos, que são democratas, tornar-se-iam pouco melhores do que o ditador iraquiano. Isso é inadmissível. Os americanos só possuem a legitimidade de primus inter partes dos países democraticos enquanto respeitarem os direitos humanos e a legalidade internacional. Então e as Convenções de Genebra? A Carta das Nações Unidas? A Declaração Universal do Direitos do Homem?
A acreditar nessa gente, as fotografias teriam sido montagens ambiciosas de elementos do Bloco de Esquerda ou congéneres internacionais que teriam apanhado soldados americanos inocentes em inocentes interrogatórios.
Isso não foi assim. Cito Jon Stewart insuspeito americano (se ele é do Bloco, francamente não sei): "As prisões iraquianas não fecharam, apenas mudaram de gerência".
Para essa gente relembro o passado. O primeiro argumento: a guerra é legítima defesa preventiva face às armas de destruição massiça que Saddam tem e que indubitavelmente utilizará nos EUA. 2º momento: mesmo que não as tiver, podia vir a ter (genial, se se aplicasse às pessoas eu podia dar um tiro a uma pessoa que se aproximava porque esta podia um dia no futuro vir a agredir-me!). 3º momento: mesmo se tudo isso estiver errado, os americanos vêm instituir o respeito pelos direitos humanos e a democracia (então e a Líbia, a Síria, a China, a Coreia do Norte, o Irão, a Birmânia, grande parte dos países africanos? Tudo democracias? Quem nos dera!). Hoje, o que é que sobra? Não, a sério, para aqueles que me criticavam por eu achar que eles só lá iam pelo petróleo, respondam-me: o que é que resta?
Não me digam que tudo aquilo era legítimo para obter informação qualificada ("intelligence"), o que é que todos aqueles iraquianos sabiam? E se todos eles sabiam, como é que os americanos não sabiam? A CIA é assim tão má?
Para aqueles que me diriam que é um incidente isolado respondo: não, foi sob ordens do Secretário de Estado da Defesa (o mesmo homem que face às imagens arrepiantes do saque do Museu de Bagdad fazia piadas sobre estarem a roubar vasos, e que perguntava quantos vasos é que lá estariam). O pior é que parece que isto são procedimentos regulares de interrogatório em Guantanamo (outro buraco negro do direito internacional, culpa formada para quê?) e no Afeganistão.
Não, meus amigos, desta ninguém se safa. Nem as mulheres com aquele discurso de se só elas mandassem isto era tudo diferente... Sim, viu-se, era um bocado mais sado-maso, pelos vistos. Cheguei a ouvir um americano a dizer que aquilo era uma maneira saudável e natural de os jovens soldados americanos, sujeitos ao stress da guerra "blow some steam off by having a good time". Como é que isto é possível? O que é que resta?
Não se podem ir alterando as leis do Estado de Direito à medida do conveniente. É isso que nos distingue das ditaduras. Se o respeito pelo "due process of law" e pela Convenção de Genebra é destruido ou dobrado à medida do que vai dando jeito, eu não sei se quero viver no mundo que vai ser edificado sobre as suas ruínas.
Resta à America a humildade de, por uma vez na sua história, pedir desculpa.
Não, vocês não são "the greatest nation on earth".

Europeias (I).

Estamos a menos de um mês das eleições europeias. Fora as picardias costumeiras e os lugares publicitários usuais existe um certo ambiente de cumprir calendário, mais do que em qualquer outra eleição, quando se trata de encontrar os deputados para o parlamento europeu. Curiosamente, mas não sem surpresa, são as eleições presidenciais que tem feito correr mais tinta. Mas o flagrante contra-senso é que comparativamente com as eleições europeias a relevância substancial da eleição presidencial é, nesta altura, ínfima. O que se tem visto nos últimos tempos são manobras adivinhadoras sobre quem será o candidato e o favorecimento ou hipóteses conjugadas que isso traz ao partido A ou B. Nesta fase não existe nada para debater a propósito das presidenciais. Mas os espíritos empolgam-se. Com pouco. Já acerca das eleições europeias existe todo um conjunto de possibilidades que podem ser exploradas para beneficio da participação dos eleitores aquando da chamada ao voto. O comportamento cívico do cidadão altera-se conforme a relação que estabelece com os diversos momentos do exercício activo da participação democrática. O grau de envolvimento do cidadão com a coisa democrática pode ser incrementado. Os portugueses não dominam as implicações e os desafios em que o cada vez mais alargado espaço comunitário se traduz. E duvidam da importância das vozes portuguesas no plenário europeu. Os homens públicos esquecem com muita frequência o papel que representam ao nível da informação e esclarecimento junto do cidadão. Mais importante que fazer prospectos cheios de chavões acerca «do nosso programa para a Europa» importa clarificar que Europa é esta onde estamos inseridos, para onde caminha, quais as possibilidades de Portugal, que adaptações são necessárias perante leis muitas vezes extrínsecas, que futuro. Seria com o tratamento de inúmeras questões práticas que se devia seduzir o eleitor e envolve-lo numa cidadania, mais que não fosse, minimamente informada. Também seria por aqui que o combate à abstenção se faria. Não basta simplesmente colocar em parangonas a «importância do voto».

sábado, maio 15, 2004

Dois bons artigos e uma boa provocação.

O artigo "Sometimes, a War Saves People", de José Ramos Horta no "The Wall Street Journal", lido no Mare Tranquillitatis.

Pacheco Pereira no Público de Quinta-Feira.

Vasco Rato e as verdades de Fernando Rosas.

Sobre o Iraque e sem propaganda.

O Paulinho e os seus brinquedos

O Paulinho das feiras actualmente travestido de Ministro da Defesa (é pena não ser da lavoura, termo que foi desenterrar do passado) foi dar uma volta aos Açores. Obviamente foi no helicóptero do dito Ministério da Defesa (a que este governo acrescentou "Nacional", será que tinham medo que o Paulinho instrumentalizasse o Ministério para a sua defesa pessoal? Se era esse o medo, a tentativa falhou redondamente). Como o Paulinho tem medo da solidão, levou alguns de todos os assessores que tem (se levasse todos tinha que ir num Hércules C-130). Levou também alguns amigos do partido. Usou portanto recursos (escassos, como passam a vida a lembrar-nos) do Estado para, entre outros, levar os seus amiginhos dar uma volta. Outra questão é o destino que elegeram. A ilha do Corvo, nos Açores tem uma certa importância eleitoral. O príncipio da representatividade directa sofreu algumas distorções na Lei Eleitoral dos Açores em prol da representatividade de todas as ilhas. Independentemente do número de eleitores recenseados, cada ilha elege dois deputados regionais. O voto de 150 eleitores do Corvo (são à volta de 300), vale portanto mais ou menos o mesmo do que 1400 micaelenses. Mas o problema é um pouco mais complicado: no arquipélago as intensões de voto entre os dois maiores partidos têm tendencia a se equilibrarem. Podia-se dar o caso (inédito por cá) de um partido obter a maioria dos votos mas não a maioria dos mandatos. Assim os deputados eleitos pelo Corvo podem ter um peso decisivo na formação das maiorias na Assembleia Regional.
Visto por este prisma o facto do Paulinho ter levado atrelados uns CDS-PPzinhos torna-se um bocadinho mais sinistro, assustador, vergonhoso ou pura e simplesmente pouco surpreendente, dependento do tipo de pessoa que se for.

Outras coisas.

Um dia desta semana estava no meio do rossio quando me cai na cara uma gota de chuva. Por estes dias tem estado um sol luminoso e a temperatura apetece o mundo. Mas eis que surge um patético esboço de trovoada. Sem ser enxuta de todo mas incapaz de molhar. Perante a determinação aparente da cidade, uma qualquer indecisão do céu. O irrelevante pingo de chuva que se limpa com a ponta de um dedo, gesto irreflectido provocado mais pela cócega repentina do que por insondável necessidade, transportou-me para aguaceiros torrenciais. Uma perdida gotinha que me lembrou umas tantas trovoadas de verão, com chuva bastante para ressuscitar regatos e ribeiros. Em movimento a chuva encharca-nos até aos ossos, depois a temperatura de 30 e muitos graus seca o corpo num instante. São prazeres passados. Que se repetem quando calha. Pedalar em cima de uma bicicleta pelos altos e baixos da paisagem, com as vistas curtas da curva e contra curva, ou com a planície a perder de vista. O movimento é das coisas bonitas e a acção também. Pedalar contra o vento é um esforço glório de dificuldade acentuada, pedalar a favor do vento é uma comunhão com a natureza, pedalar 100 km debaixo de nuvens cinzentas a desfazerem-se em chuva torrencial com muitos relâmpagos a iluminar a estrada escura é uma sorte dos diabos. A estrada fica mais escorregadia, forma-se a ilusão que estamos em cima de uma passadeira rolante, a corrente salta para a desmultiplicaçao mais pesada e a pedaleira puxa nos 52 dentes. A velocidade nuns 50km/h mantém-se constante se não existirem umas descidas no fio da navalha ou umas subidas a estragar o gozo. Como se vê a bicicleta era de estrada, leve e rápida. A Beira Baixa é pródiga em trovoadas de verão. «Já foi mais, já foi mais», dizem os antigos. Isto parece que anda tudo muito mudado, principalmente o clima. Cada bocado de chão que se pisa necessita estratégias distintas. O alcatrão é muito cómodo, mas quando a paisagem é menos humanizada e mais, invente-se, naturalizada, o calçado tem que ser forçosamente diferente. Uns pneus mais grossos e resistentes impõem-se. Percorrer os trilhos do Portugal profundo debaixo da agressividade do céu constitui uma outra forma de liberdade, a pele misturada com lama é uma junção óbvia, nós é que pensamos que não. Os tais ribeiros devolvem-nos uma certa cara de gente civilizada, por pouco tempo que a próxima poça de terra não demora. Os caminhos da vida são muito tortuosos. Mas as ovelhas safam-se como podem. Quando pressentem sinais de chuva aninham-se todas bem juntinhas e ficam muito quietas debaixo das árvores, procuram a protecção da folhagem. A ovelha sem arvoredo no horizonte pensa, isto se pensasse, «o que a minha lã não daria por um belo sobreiro», o sobreiro é muito apetecível para as ovelhas porque tem uma copa muito larga. De salientar que em trilhos não se fazem 100 km de enfiada, fazem-se menos, a natureza remete-nos para uma certa insignificância, talvez por isso encontremos uma necessidade tão urgente em destruí-la. Uma banheira cheia de espuma e água a borbulhar é o remate pacífico. Saímos do banho e sentimo-nos translúcidos. A monótona higiene diária não tem absolutamente nada a ver com paz. A necessidade urgente de tomar um banho: se possível com o corpo todo escavacado, se possível depois da alma renovada, se possível longe, se possível sozinhos, se possível com chuva e calor, se possível com ovelhas por perto, se possível. Como se percebe o ginásio não vale. De volta ao rossio. E eu que queria falar apenas de trovoadas de Verão, andar à chuva.
Frank TJ Mackey: Respect the cock! And tame the cunt! Tame it! Take it on headfirst with the skills that I will tech you at work and say no! You will not control me! No! You will not take my soul! No! You will not win this game! Because it's a game, guys. You want to think it's not, huh? You want to think it's not? Go back to the schoolyard and you have that crush on big-titted Mary Jane. Respect the cock. You are embedding this thought. I am the one who's in charge. I am the one who says yes! No! Now! Here! Because it's universal, man. It is evolutional. It is anthropological. It is biological. It is animal. WE...ARE...MEN!

Magnolia (1999)

terça-feira, maio 11, 2004


Please, don't say no...
[Nota interna: Nos próximos dias é uma óptima altura
para não terem nada que escrever. Se tiverem, voltem ao caderninho. Ela merece. E nós tambem.]

segunda-feira, maio 10, 2004

A pior pessoa do mundo

Uma vez ao ler um conto de Chesterton li uma reflexão que me marcou por ser profundamente lógica. A pior pessoa do mundo só pode ser a pessoa mais optimista do mundo. Os optimistas são aqueles que conseguem sempre ver um lado bom em tudo, seja lá o que for. Mas nós sabemos que há coisas que são más, ponto, sem mas, sem por outro lado. O optimisca consegue ser frio ao ponto de se distanciar das suas emoções e da empatia pelo sofrimento de outros para ver o "lado bom da coisa". Esta opinião pode ser um bocado maniqueísta, mas acho que tem um fundo de verdade. Desconfiar das pessoas que veêm sempre tudo cor-de-rosa, que minimizam os problemas. A vida não é cor-de-rosa, mas é claro que também não é preta, é assim mais para o cinza... É certo que eu sou um bocado céptico, mas também realista. Volto a dizer, desconfiar de quem é muito bonzinho, muito feliz, sempre muito sorridente. Esses são os piores.
Tenho dito.

Evolução.

As causas do subdesenvolvimento português ainda não estão totalmente identificadas. Conforme rápida reflexão que fiz cheguei a um factor determinante e exponencial que funciona há varias décadas como entrave 'a nossa maturidade enquanto país de potencial sustentabilidade. A verdade encontramo-la na demografia. Portugal e' excessivamente populoso. Tem população a mais. Existe demasiada populaça. A prova reside nos andarilhos que povoam por esta altura as estradas nacionais e que se dirigem a Fátima. Estas pessoas, se assim se podem chamar, são um exagero descompensado, uma mixórdia que não favorece a saúde e que complica o mínimo de seriedade. A fé e a crença de que esconde um segredo. E hei-los de promessa feita e joelhos rebentados. Segredinhos, isso e’ que entusiasma o português pobrete. De espirito. Não são simples. São estúpidos. Simples era o meu bisavô que perante semelhante espectáculo acenava com uma enxada quando a conversa descambava para o entretenimento divino com olho no bolso. Eu tenho um sonho: ver a Cova da Iria e áreas adjacentes terraplenadas e feitas jardim onde as crianças possam brincar em são convívio. Para relembrar o passado obscuro ate podiam polvilhar o espaço de baloiços, feitos monumento, 'a sordidez do anterior embalo do espírito.

Fartura.

Neste blogue não se acha absolutamente nada!
Aqui pensa-se e sempre que possível julga-se!

Achar, já se achou o Brasil.

Gaguez.

Por vezes apetece-me cuspir no prato onde como. Existem certas atitudes didácticas a observar e a manter. Entre as quais dificultar com grande alarido o azar e menosprezar a sorte. Sublinhar, acusar e elogiar podem ser interessantes técnicas de respiração e ser utilizadas fartamente mas por vezes o oposto une-se com a mania, ser trágico e’ bem melhor que ser triste. A poesia feita da tristeza deixa-me suspenso. Procuro não me fazer notar e afasto-me em silêncio. Vou rir longe. Não tenho a certeza bem de quê. Há certos escrúpulos que podem ser seguidos para facilitar a confiança. Depois preocupo-me com o pormenor, não com ele mas com esse holofote, bem entendido; algumas alturas perco-me entre a obsessão e a raiz. A obsessão e’ minha mas a raiz encontro-a no outro. Por vezes apetece-me cuspir no prato onde como, mas passa depressa.

A fuga.

Um destes dias presenciei uma cena que não valeria dois tostões furados, tal a sua vileza.

Num bar lisboeta bem frequentado, tranquilo e com certo ambiente familiar, mais motivado pelo trato e omnipresença dos donos do que pela variável presença dos noctívagos, dois homens de meia idade, talvez um pouco menos, conversam de modo digno e simpático sentados ao balcão. Numa mesa próximo dialogam duas raparigas, com ar pouco leve, talvez trintonas, talvez pouco menos, passam despercebidas, parecem cultivar a simplicidade, mas não as questionemos acerca disso ou acerca de qualquer outra coisa que implique verdade ou comprometimento, ficariam decerto acidas, confundem partilha com desonra, poderiam ser belas senão se esforçassem por se ignorar, apreciam o recato, a ausência, o silencio. Odeiam ser olhadas porque não gostam de se expor. O que esconderão? Os dois homens pedem ‘a empregada/proprietária que leve duas cervejas ‘a mesa onde conversam as raparigas dos segredos inomináveis e aquela, depois de colocar os copos na mesa, informa de modo correcto a proveniência das cervejas. Nota-se um repentino nervosismo nas raparigas. Estarrecem. Por segundos, não sabem para onde olhar. Finalmente, entreolham-se. Estão confusas. Envergonham-se. Subitamente sedentas, bebem metade da cerveja de um trago. Uma começa a procurar a mala, a outra tenta vestir o casaco. Atabalhoada, não acerta com a manga. A da mala, e que se encontra mais próximo da porta, levanta-se. Ela olha de modo suplicante para a companheira: que se apresse. A manga continua incerta e o nervosismo cresce. Impossível continuar ali de pé, hesita, mas num assomo de egoísmo volta-se para a porta e com passos largos, baixa a cabeça e sai. Abandonou a amiga, traiu a amizade, mas o perigo espreitava e a cobardia venceu. A necessidade libertou os movimentos, o braço encontrou a manga. A outra rapariga corre de mala aberta e cruza a porta, vira para o lado oposto da companheira. Fugiram. Havia medo.

Poderiam ter adoptado uma postura imperturbável e no final agradecer ou desejar somente boa noite. Ou poderiam amavelmente declinar a oferta quem sabe com um esboço de sorriso, oferecendo um pormenor de simpatia que decerto os infelizes galanteadores apreciariam como uma paisagem repleta. Mas que digo eu? Nunca conseguiriam. Não entendem a liberdade. Mulherzinhas.

domingo, maio 09, 2004

(...) Quem aceite esta lógica acaba fatalmente a escrever sobre o lixo do mundo e, muito pior, a «moralizar» sobre ele. Esta semana, por exemplo, a vitória do Porto numa taça qualquer e a prisão domiciliária do apresentador Carlos Cruz, dois não-acontecimentos por excelência, afogaram tudo o que se passou à volta. Como duas não-pessoas: José Mourinho e o referido Carlos Cruz zumbiram sem descanso pelo ar que respiramos. Verdade que a plebe gosta do que gosta. Mas não se pode aceitar passivamente o gosto da plebe. A democracia não exige a «imbecilização» colectiva do país. Nem sequer o «sucesso» de uma coluna ou de um jornal. Ainda existem ilhas de inteligência e sanidade. A prazo, não compensa ir atrás desta maré, em nome de um «modernismo» apatetado e espúrio. Uma incondicional rendição à vulgaridade não serve ninguém. Abundam imbecis para fornecer o mercado de imbecilidades. E não sobra gente que ajude a conservar uns restos de uma sociedade civilizada e simpática.

Vasco Pulido Valente no DN de sexta.
Sempre com uma razão exagerada.
Young Pharmacy Kid: Strong, strong stuff here. What exactly you have wrong, you need all this stuff?
Linda Partridge: Motherfucker...
Young Pharmacy Kid: What are you talking about?
Linda Partridge: Who the fuck are you, who the fuck do you think you are? I come in here, you don't know me, you don't know who I am, what my life is, you have the balls, the indecency to ask me a question about my life?
Old Pharmacist: Please, lady, why don't you calm down -- ?
Linda Partridge: Fuck you, too! Don't call me "lady"! I come in here, I give these things to you, you check, you make your phone calls, look suspicious, ask questions! I'm sick! I have sickness all around me and you fucking ask me about my life?! "What's wrong?" Have you seen death in your bed? In your house? Where's your fucking decency? And then I'm asked fucking questions. What's...wrong?! You suck my dick! That's what's wrong! And you, you fucking call me "lady"?! Shame on you! Shame on you!! Shame on both of you!

Magnolia (1999) [uma cena de antologia na carreira de Juliane Moore.]

Valha-nos a Nossa Senhora!

Vi hoje no DN que há um panfleto a correr para os lados de Fátima com mais ou menos a seguinte mensagem na capa: "Tem compaixão de Nossa Senhora, Com o teu voto não permitas que o Seu Filho seja posto fora da Europa". Confesso que só a ler isto não percebi nada, a mensagem é um bocado críptica (o filho de quem? fora da Europa para onde?). No entanto a descrição da notícia é bastante clara. O panfleto tem como origem um grupo de cidadãos que se auto intitula: "Cidadãos para um Portugal livre" (Liberdade? É mais um exemplo de como grupos proto-fascistas e confessionais se tentam apropriar da imagética da democracia republicana para a corromper e esvaziar o seu conteúdo). O objectivo deste grupo é evitar que as pessoas, nas eleições para o Parlamento Europeu, votem nos partidos que se opuseram á inclusão da menção do nome de Deus no futuro Tratado que institua uma Constituição Europeia.
Eu voto que Portugal seja um país livre, livre dos padres serôdios que arrotam os seus avés-marias para os seus rebanhos. Eu não sou uma ovelha. Eu não faço parte de nenhum rebanho. Livre dos beatos falsos que andam a bater no peito a dizer: "Eu acredito, eu acredito", e toda a gente sabe que é mentira, pois senão o fosse eles não precisavam de o dizer, bastava agir. Livre deste cheiro a incenso bafiento que nos corrompe e que é uma das causas da queda dos povos penínsulares (perguntem a Eça).
A separação entre a igreja e o Estado é uma das bases do nosso Estado de Direito e do nosso regime democrático (é a base de qualquer regime democrático). A Constituição assim o estabelece, tal como proíbe o uso de imagens ou simbolos religiosos nos partidos e nas campanhas eleitorais. Isso nunca impediu de eu ver pintado numa parede de uma aldeia da Beira Alta (Cavaquistão profundo), "Se Jesus cá viesse, votava no CDS". Para quando uma democracia completa? Valha-nos Deus! Ou não...

sábado, maio 08, 2004

Tu não sabes, nem sequer imaginas, o que é estar deste lado.

Um homem e uma mulher conversavam.

A dada altura um dos dois disse-o.

Foi um estrondoso elogio.

A propósito do uso do traje académico

penso que devia ser banido, quanto mais não fosse, por uma flagrante ausência de estética. Mas a discussão levantada pelo taco de basebol do Edgar, leva a minha machadada final. As razões do uso da vestimenta lembrou-me um conceito que gosto invariavelmente de ter presente e de que não tinha aqui falado directamente: a Motivação. Os comportamentos que se baseiam na acção motora, ou seja que são minimamente observáveis, tem sempre uma leitura motivacional. Ora os motivos de escolhas voluntárias estão muito aquém do mero ‘eu gosto’, ou ‘apetece-me’, ou ‘faz-me sentir bem’, isto se são causas explicativas remetem para um motivo primário - a necessidade de segurança. Em paralelo a menos que se considere usar traje uma abstracção, apenas nessa circunstancia podemos utilizar argumentos de matriz irracional. Mas isto, mais uma vez, envolve um erro de palmatória muito a montante. Não e' de bom tom, constitui-se mesmo irrelevante tentar explicar um sentimento em estado puro. Ora nem de longe nem de perto: usar traje não e' um sentimento e não me parece que envolva emoções fortes... Portanto pode ser questionado. O principal argumento a favor do uso do traje, eu ajudo, e' de que a sua utilização e' perfeitamente inócua. Mas humildemente lanço um alerta. Juntar muitas coisas inócuas na vida, não demonstra grande amor pela mesma. Conclusão: usar traje e' nada.

A orientação para um comportamento, fazendo a ressalva da existência de emoções que se baseiam numa raiz filogenetica e de trato mais complexo, ou mais ainda os sentimentos, das construções humanas mais importantes envolvendo um conjunto instável de emoções diversas e contraditórias, a orientação para um comportamento, dizia, pode ser tratado com um grau assinalável de objectividade. O estudo da motivação e' uma tarefa bem interessante, embora muitas vezes trabalhosa. Basta pensar por exemplo em que se baseia principalmente em política a motivação para o poder. Oscultar as motivações dos homens públicos em direcção ao poder constitui um caminho revelador; talvez um trilho um tanto ignóbil. Penso sobretudo no retorno que a vida publica provoca ao nível da vida interior, se não for esse retorno afinal preexistente, origem e principal causa da acção.

Isto começa a explicar-se.

Era eu um adolescente rebelde, só me faltava andar em bando e idolatrar Nirvana, quando reprovei a Português por faltas. Nada que um exame estival não tenha resolvido, embora uma media interessante na disciplina tenha sido atirada 'as ortigas. Tudo tem o seu desagravo, o mais obvio era a alergia que o perfume barato da professora me provocava. Os professores são uma classe com uma auto-estima precária. Depois havia momentos decadentes. Lembro-me de a docente contar muito espevitada, que em criança numa qualquer quinta do Minho o passatempo favorito ser despir-se, «as cuecas inclusive», e saltitar de poça em poça - de lama – banhando-se. Isto alterava obrigatoriamente a minha audição quando ela lia o «Felizmente há Luar». Perversa. Apesar de ter prescindido de muitas horas de sabedoria com tão profissional criatura consigo ler e escrever. Quase poderia ter existido um conflito de interesses, mas eu claramente preferia ficar a ler a ‘Montanha Magica’ do que ouvir as historias da professorinha. Saudavel ironia. Enquanto conhecia o magnifico Hans Castorpp as faltas acumulavavam-se no livro de ponto e desprezava as minhas obrigações enquanto aluno atento e empenhado que deveria ser mostrando desta forma gratidão para com a excelência educativa que o país me proporcionava. O meu obrigado leva a economia de mercado que permitiu terem aberto as FNAC’S. Por portas e travessas circularam outras versões, muito rasteiras e que não dou grande valor, segundo as quais o que havia era uma incompatibilidade entre a sala de aula madrugadora e as nocturnas aulas de quarto, muitas vezes fora de Lisboa, que a paixão juvenil e' bastante incerta. Outras vezes aparecia nas aulas. E fazia testes. Uma ocasião numa dessas «avaliações de conhecimentos» tive que escrever um «resumo». Aquilo para mim era fácil, mas o tempo estava bom e queria despachar-me. Na altura lia muito o Independente e deliciava-me sobretudo com o João Pereira Coutinho, aquela mania de escrever três palavras e colocar um ponto final cativava-me. Um puto está habituado aos livros de Português do Ministério e depois vai ler as crónicas do Indy, e' como passar dos Morangos com Açúcar para o Playboy Channel. No Indy via-se tudo. O resumo lá ficou pejado de pontos finais a entremear umas tantas palavras. A comedia reside na professora ter gostado da inovação e aquando da entrega dos testes pediu-me para ler aquilo alto para que toda a turma bebesse da minha fonte. A parte triunfante ainda estava para vir e foi ver o desespero boçal de um colega de primeira carteira que tentou muito inutilmente questionar o alinhavo das palavras, ele que era bastante afamado por referenciar a escola «como determinante por toda a sua vida», sendo que nunca faltava a uma aula e sabia de cor o «manual». Apeteceu-me chamar-lhe «punhetas» mas mantive a minha altivez sapiente.

Nota de rodapé.

Pela primeira vez alterei um texto já editado. O post inicialmente intitulado "A TV que somos", passei a chama-lo "A resignação de um bom jornalista". Aquele plural «somos», soava-me muito a culpa partilhada. A discurso padreco. Prefiro dividir que englobar. Uma questão de distinção.

Introspecção.

Opposition is not necessarily enmity; it is merely misused and made an occasion for enmity.

S. Freud

quinta-feira, maio 06, 2004

E se disser que me apetece beijar-te?

Mas renuncio, vou-me lançar sobre as rochas e deixar-me fustigar pelas ondas do mar.


Gwyneth Paltrow em Sylvia, a historia de um amor enfurecido entre dois poetas, Sylvia Plath e Ted Hughes. Acaba mal, como se adivinham em todas as paixoes arrebatadas. Mas que fazer? E' onde se encontra mais beleza.

Enquanto a colheita compensar.

Poderia assinalar umas tantas culpas pequenas, quase insignificantes, cómicas até, que me permito semear de vez em quando. Dizem-me respeito somente a mim, nunca arrastei ninguém com elas. (Pelo menos assim quero crer). Normalmente são resultado da busca do prazer imediato, da loucura reflectida, quem sabe da preguiça. O longo termo, ao contrário do que se podia esperar, já me disse mais. Procuro a oportunidade que reside nas próximas 24 horas.
Também gosto de inventar, que no vosso dicionário e' possível que signifique, sonhar. Adoro a irresponsabilidade ponderada. Espero que nos próximos anos estes comportamentos se agudizem. Será bom sinal conciliá-los com a vida programada. Quem sabe.

A resignação de um bom jornalista.

Pedro Coelho, jornalista e editor de sociedade da SIC, enquanto passavam imagens do ‘filme do dia’, sobre a decisão de Carlos Cruz passar a prisão domiciliaria e da viagem até sua casa, fez um exercício de justificação e contra-ataque acerca das imagens que ele próprio, homem inteligente, sabe penosas. Foi certeiro, Pedro Coelho. Ele sabe que são difíceis as noticias que se impõem demasiado, que rapidamente ultrapassam os limites da dignidade da reportagem. Lamentou quem critica mas consome molemente todos aqueles ‘momentos televisivos’. Notava-se uma ambiguidade nas palavras distanciadas de Pedro Coelho, talvez ele preferisse outra coisa. Eu preferia. Sendo certo que se passa demasiada televisão neste país, ela constitui o mais frequente bode expiatório. Mas vende como nunca.
Para evitar males maiores, vou dando primazia ao Pedro Coelho.

quarta-feira, maio 05, 2004

Earl: Phil. Phil, hey, c'mere, c'mere. I'm...I'm gonna try talk. You know, I'm trying to...to say something, something. Do you know Lily, Phil? Do you know her?
Phil: No.
Earl: Lily?
Phil: No, I don't.
Earl: She's my love, my life, love of it. In school...I'm twelve years old in school, in sixth grade. I saw her. I didn't go to that school, but...but we met. My friend knew her. I said..."What's that girl? How's that Lily?" "Oh, she's bad. She sleeps with guys." Yeah, he said this, but then sometimes...I went to another school, you see. But then... when high school at an end, what's that? What is that when it gets to the end?
Phil: Graduation.
Earl: No, no, the grade. What grade are you in?
Phil: That's 12th.
Earl: Ah, yeah, yeah. So I went to her school for that grade. Grade -- that's grade twelve. And we meet. She was... fucking like a doll. A beautiful porcelain doll. And the hips. The child-bearing hips, you know that?
Phil: I know.
Earl: So beautiful. And I cheated on her over and over and over again. Because I wanted to be a man. And I didn't want her to be a woman. A smart, free person who was something. My fucking mind then. So stupid, that fucking mind! Stupid! Jesus Christ! What would I think? Did I think for what I'd done? She was my wife for twenty-three years...and I went behind her over and over. Fucking asshole that I am. I'd go out and I'd fuck... and I'd come home and get in her bed...and say, "I love you." This is Jack's mother. His mother, Lily. These two... that I had...and I lost. This is the regret that you make. This is the...regret that you make and the something you take and the blah blah blah...something, something. Gimme a cigarette.
(Phil gives Earl a cigarette -- as he sighs and moans -- and pantomimes lighting it. Earl brings it halfway to his lips and puts it down.)
Earl: Mistakes like this...you don't make. Sometimes...you make some and okay. Not okay, sometimes, you make other ones. Know that you should do better. I loved Lily. I cheated on her. She was my wife for twenty-three years. And I have a son. And she has cancer. And I'm not there and he's forced to take care of her. He's 14 years old. To...to take care of his mother and...and watch her die on him. A little kid, and I'm not there. And she does die. I loved her so. And she knew what I did. She knew all the fucking stupid things I'd done. But the love...was stronger than anything you can think of. The goddamn regret. The goddamn regret! And I'll die. Now I'll die, and I'll tell you what...the biggest regret of my life. I let my love go. What did I do? I'm 65 years old. And I'm ashamed. Million years ago. The fucking regret and guilt, these things...don't ever let anyone ever say to you... you shouldn't regret anything. Don't do that! Don't. You regret what you fucking want. Use that. Use that. Use that regret for anything, anyway you want. You can use it, okay? Oh God. This is a long way to go with no punch. A little moral...story, I say. Love. Love. Love. This fucking life...oh oh....it's so fucking hard. So long. Life ain't short. It's long. It's long goddammit. God damn. What did I do? What did I do? What did I do? What did I do? Phil, Phil, help me. Please. What did I do?

Magnolia (1999)

terça-feira, maio 04, 2004

Extremos.

O Acidental andou a visitar os nossos arquivos de 5 de Novembro.

Ou então é apenas um homem atento. (Neste caso nem é preciso ser muito...)

Entretanto o farol da esquerda criativa que se cuide.

Ele chegou.

segunda-feira, maio 03, 2004

Porque e' Manoel de Oliveira pior cineasta que João César Monteiro?

Apesar de Manoel de Oliveira se apresentar como um velho mestre despreocupado, impera nele uma impossibilidade de conhecimento a que está interligado a omnipresente noção de limite, ou de finitude mais especificamente. A sua dedicação ao bom sentimento absorve-o como ensinamento, tornado depois lições enfadonhas em filmes compostos de um certo enraizamento cristão, mas pior, crente. Ainda assim Manoel de Oliveira sabe fazer filmes, ele sempre encontra o minimamente necessário para compor uma historia que pode despertar uma certa dose de curiosidade. Intui-se muitas vezes algum resguardo que ele gosta de apreciar. De vez em quando também existe uma certa pose geometricamente construída. O resguardo esconde aquilo que ele não pode mostrar, porque desconhece. Neste sentido Manoel de Oliveira oferece-nos como conclusao muito pouco. Ele cumpre em todos os filmes o mesmo embate seco contra as suas próprias escolhas insuficientes.

César Monteiro permite imensas possibilidades, inclusive revelar as mistificações sobre falsos ídolos.

Os festivais de verao ja mexem.

Uma excelente noticia: Scissor Sisters em Paredes de Coura, um dos primeiros nomes confirmados para o festival minhoto. Entretanto ja se sabe da presença de Chemical Brothers e The Cure em Vilar de Mouros, para alem de Bob Dylan. Nenhuma "quermesse brasileira" vai ultrapassar os bem portugueses festivais de verao. Quanto mais nao seja porque assistir a Scissor Sisters em Paredes de Coura e' esteticamente mais enriquecedor e interessante que ouvir Britney Spears em Chelas...
O conceito de maturidade de quem se julga maduro equivale, na minha balança, ao meu conceito de autista. Retardados que acham que a tal maturidade é ser sensato e ponderado. Para mim, isso é o estado mais puro da idiotia. Se querem engolir o que lhe enfiam guela abaixo, por puro medo de vomitar, que sejam felizes assim e evitem o cuspe da rebeldia. É fácil ser maduro, basta para isso ser dotado de um ignorância imbecilizante, somada a um pouco de consciência atrofiada. A fórmula da felicidade. Tenho uma profunda inveja de quem é assim, e quero que vivam seus 60 anos de maturidade gozando de tudo o que ela pode trazer. Quanto a mim, me deixe na minha mais absoluta infantilidade, atirando para tudo quanto é lado, odiando e criticando tudo que não derive de meu umbigo. Não faz diferença.

Vinicius Villas Boas

Jorge Sampaio.

O discurso de Jorge Sampaio na cimeira europeia de sexta-feira sobre relações transatlânticas merece um elogio pela sua honestidade e franqueza política. Sampaio aproveitou a oportunidade que lhe foi concedida e exprimiu com clareza, criticas aos Estados Unidos por alguma postura sobranceira adoptada em relação 'a Europa e alertou os estados europeus para atentarem nos erros do passado que adensam a delicada inconsistência política da Europa. Numa atitude pedagógica Sampaio lembrou a necessidade de "maior abertura de mentalidades, maior capacidade de consulta, maior esforço para concertar estratégias". Numa Europa de lideres fracos onde o politicamente correcto emerge na maioria dos discursos oficiais, e' de aplaudir a intervenção certeira do Presidente da Republica (como também aplaudi as declarações de Durão Barroso a propósito de Zapatero e o Iraque, questão que ultrapassa o limite de mera política externa espanhola). Pode ter sido um discurso de efeitos politicamente irrelevantes mas a justeza da opinião pessoal do homem publico, sobretudo porque correcta, e' por si só motivo de regozijo.

Mas este aplauso a Jorge Sampaio tem uma contra-analise a propósito de outra questão: o comportamento diplomaticamente inaceitável de Sampaio que subverteu as hierarquias e fez figura de bombeiro da nação. O seu desdobramento em manobras de sedução ou reflecte a desconfiança nos diversos corpos diplomáticos, incapazes de dar provas de organização concertada, ou aponta para um «voluntarismo» excessivo que muito prejudica a imagem da primeira figura do Estado enfraquecendo-a. Para melhor informação ler quem sabe, neste caso o Notas Verbais.

domingo, maio 02, 2004

Dedicatória em vento ímpeto.

O principio pode ser um anseio, uma incerteza, ou uma continuidade camuflada. Se o principio não for uma queda repentina, será ainda e sempre, um inicio que balanceia o positivismo de cada descoberta; a intimidade e' uma solidão bonita, se a dois partilhada meio caminho para o amor; o descanso envolve um outro, outro lugar, porque um outro Eu e' impossível, escolha-se sul em vez de norte ou norte em vez de sul, escolha-se e prepare-se a partida. O regresso nunca se prepara, impõe-se; a mente virada para o horizonte origina pecadilhos vários, abandonemos o corpo ate' ao limite do sofrimento; há uma voz especial que me impele e dirige para as tuas palavras, as tuas palavras não me interessam, no entanto são ditas por ti, fala-me sobre ti, juro-te que nunca te esquecerei, podes morrer, defenderei ser o único a enterrar-te e vou amolecer a terra com o sal das minhas lagrimas, morra antes o esquecimento que e' a morte mais dolorosa, como a verdade; de todas as visitas surpresa a que te preparei foi a mais longamente reflectida, não sei quantas estações demorou, mas tive frio e tive calor e tornei a ter frio e tornei a ter calor, mas quando te vi apenas tive calor e quando tirei o casaco perdi o plano, o maior dos breves prazeres durou aquele segundo do ombro a ombro, quando passaste por mim lado a lado, e não me reconheces-te; foi no miradouro, que bem sabes observatório de muitas ruas, que chorei os meus pensamentos, o teu sorriso pairava na lembrança como um busto palpável, no final o teu sorriso não era senão deturpação, já te imaginava com a cara doce e infantil da criança suja que brincava e eu observava a dez passos de mim, as ruas percorri-as mais tarde, o mundo e' muito pequeno e aquela criança também; o melhor despertar, reparo agora, e' quando um farol interior nos alerta e orienta para um esforço repleto de vida, era puto e tão perto de ti, quando subia e descia 'a força de pernas a minha serra natal adoptiva, a tua serra natural, as rampas subia-as como a pulso e ao desce-las esperava ser catapultado, também a vida trepo-a a pulso e silencio-me quando o desejo e' utopia, a vida isso sei-o há muito, nunca se desce; o sol e a lua servem para modificar os estados de espirito que são efémeros pela natureza, impossíveis sentimentos contemplativos (menores) acuso e desprezo os carnavais de emoções (menores), deixa-me ser sempre feliz, o sol e a lua são sempre os mesmos; a paz e' o único divino deus, talvez uma flor a flutuar, quase imperceptível o seu movimento, quando os nossos olhos estiverem cansados e ambos os corpos ávidos permite-me beber o teu erotismo e comer a tua carne, existe um mistério na beleza que nos possui como escravos, e não, nem sempre prejudica ser escravo, deixa-me amar-te em todos os lugares estranhos, são cenários e nós não somos meros actores; nunca fales do fim inventa inícios «chamo-Te porque tudo está ainda no principio», que tudo seja ou se transforme num longo e proveitoso principio e' a minha melhor ideia, um saber com todas as possibilidades em presente contínuo, se o inferno somos nós são nossos todos os caminhos para nos afastarmos dele, mesmo que digas serem estas palavras vazias nunca mais olhes o espelho não vá acontecer encontrares-me; a iniciativa e' motor de todos os dias, ainda que fique apenas guardada dentro das nossas fraquezas, quero ser louco e furioso e agir, talvez um dia fale com ela num espaço para sempre imortalizado nesta pobre Lisboa alfacinha; deixa-me dançar contigo o resto da noite.

sábado, maio 01, 2004

Officer Jim Kurring: Sometimes people need a little help. Sometimes people need to be forgiven. And sometimes they need to go to jail.

Magnolia (1999).
Officer Jim Kurring: (talking to himself, although we don't know this until the monologue ends) Let me tell you something. This is not an easy job. I get a call on the radio from dispatch. It's bad news...and it stinks. But this is my job, and I love it. Because I want to do well. In this life and in this world, I want to do well...and I want to help people. And I might get 20 bad calls a day...but one time I can help someone...I make a save, I correct a wrong or right a situation, then I'm a happy cop. And we move through this life, we shold try and do good. Do good. And if we can do that... and not hurt anyone else... well, then...

Magnolia (1999)

Lx @ night.

Quem nasceu em Lisboa e desde que teve hipótese para tal, gira com frequência pelos sítios da noite chega a um ponto em que começa a questionar o tipo de espaços nocturnos que existem. Eu principalmente questiono o tipo de musica que se pode ouvir. Se por um lado o convivio, o divertimento, o álcool, ou mesmo o engate, para quem o procure, estão assegurados, já a junção de boa musica e cadeiras ou sofás livres pela noite dentro praticamente não existem. Façamos um levantamento e começamos pelos extremos da cidade: Docas e Parque das Nações. Nos dois locais podemos contar umas boas dezenas de bares que no cômputo geral se encontram bastante próximos seja no tipo de musica ou de pessoas que os frequentam. Impossível estar sentado, muito difícil conversar e um sempre presente som monótono e repetitivo, do tipo dance-tropical, que ficou algures no século passado. São locais vagamente interessantes para quem vem de visita e escolhidos para quem se inicia nas noitadas. São também referencias para festas de despedida de solteiro, festas universitárias e «quermesses» afins. Normalmente quem escolhe estes locais, começa e acaba a noite nos mesmos. Uma ressalva para o Parque das Nações, um espaço bastante bonito, para o Peter’s Café Sport, o Bugix e os ‘Irish’. Depois temos Santos que constitui sempre uma boa hipótese. Os bares são bastante movimentados, um entra e sai constante, a musica ali e' um jogo de sorte e azar, mas regra geral não compromete. Serve de ‘aquecimento’ para as discotecas da 24 de Julho, Queens e vizinhança no topo das escolhas, o Kremlin como sempiterna hipótese e a People, espaço muito bem pensado fora o som, que para acompanhar o restante ambiente deveria ser de autor. Depois o Bairro Alto. E' o local por excelência da noite Lisboeta. A ‘fauna’ e’ o mais diversificada que se possa imaginar, entre a rua e os diversos bares a animação e' certa. Que dizer do som que passa? Três estilos aglutinadores: a dance-music vinda directamente do Cd, o Rock mais ou menos saudosista e o Jazz. Os bares de jazz, por uma questão de espaço, constituem a hipótese mais correcta para quem quer aliar o convívio, o álcool e uma mesa. Depois os noctívagos dividem-se: uns após as 4 da matina voltam para casa, outros seguem para as discotecas, Lux 'a cabeça. O Lux e' tão somente o melhor espaço quando se sai 'a noite. Feito o levantamento, o que falta em Lisboa? Faltam bares espaçosos com um ambiente próximo do piso de cima do Lux ou numa outra perspectiva, como o Jardim do Tabaco, e que passem musica não digo como a que se ouve no bar do Lux, mas musica que reflicta o que de qualidade se vai vendendo no nosso país. Que existe. Bares que passem a musica que temos em casa, e mais importante, que gostávamos de ter em casa. Bares que paralelamente arrisquem e inovem. E apostem nas novas bandas portugueses com musica de qualidade europeia. Porque estas condições não existem em Lisboa. A noite lisboeta vive acima de tudo da imaturidade e do binómio bar-antes/discoteca-depois. Que são legitimas, mas outras ideias eram possíveis. Nem todos os dias apetece dançar. Quem sai com frequência gosta de diversidade e se a boa companhia ate pode estar assegurada já a decência da musica muitas vezes não.